Governo Trump prepara plano para encerrar programa global contra o HIV
Por redação com The New York Times
O programa federal dos Estados Unidos de combate ao HIV em países em desenvolvimento ganhou um respiro na semana passada, quando o Congresso votou pela restituição de US$ 400 milhões em financiamento. Mas esse alívio pode ser temporário: documentos obtidos pelo New York Times mostram que o Departamento de Estado elabora um plano para desativar gradualmente a iniciativa nos próximos anos.
O plano, registrado em documentos internos do Plano de Emergência do Presidente para o Alívio da AIDS (PEPFAR), propõe um novo rumo: a transição dos países atendidos para fora da assistência dos EUA, em alguns casos, em apenas dois anos.
Segundo os registros, o PEPFAR deixaria de existir como iniciativa direta de fornecimento de medicamentos e serviços essenciais ao tratamento e à prevenção do HIV em países de baixa renda. No lugar disso, passaria a atuar por meio de relações bilaterais voltadas à detecção de surtos que possam ameaçar os Estados Unidos, além de abrir mercados para produtos e tecnologias americanas.
“Com investimentos direcionados, as capacidades de controle do HIV do PEPFAR podem ser transformadas em plataforma para resposta rápida a surtos, protegendo os americanos de doenças como o ebola”, afirma o documento.
Uma porta-voz do Departamento de Estado afirmou que o documento ainda não foi finalizado e “não reflete a política oficial”. Ela não quis se identificar nem forneceu mais detalhes.
A proposta está em análise há semanas e já chegou ao conhecimento de parceiros do PEPFAR e de governos estrangeiros. O rascunho inclui comentários de vários funcionários seniores da agência.
Criado pelo governo George W. Bush, o PEPFAR é apontado como a iniciativa de saúde pública mais eficaz da história dos EUA, com cerca de 26 milhões de vidas salvas em 22 anos. Conta com amplo apoio bipartidário no Congresso.
Durante os primeiros meses do governo Trump, o programa ficou paralisado com a criação do Departamento de Eficiência Governamental, uma iniciativa de corte de custos inspirada em Elon Musk. Contratos foram rescindidos, acordos de financiamento suspensos, e estruturas administrativas desfeitas.
Apesar do respaldo legislativo, o plano da Casa Branca visa reduzir drasticamente o programa. A proposta marca o choque entre o apoio do Congresso e a pressão da administração Trump por cortes em ajudas externas, consideradas desperdício por autoridades do governo.
“Esta proposta é uma sentença de morte. Inúmeras pessoas morrerão se for adiante”, alerta Asia Russell, diretora da ONG HealthGap.
O plano prevê um corte de 42% no orçamento atual do PEPFAR, de US$ 4,7 bilhões — meta defendida pelo secretário de Estado Marco Rubio, que acusa o programa de “fraude e desperdício”.
Apesar disso, na semana passada, o Congresso reverteu parte dos cortes à ajuda externa e restaurou US$ 400 milhões para o exercício fiscal de 2025. Legisladores republicanos como Susan Collins e Lindsey Graham têm defendido abertamente a continuidade do programa.
O plano de retirada do PEPFAR é debatido há anos, mas sua execução em um prazo tão curto é inédita. Os próprios documentos admitem que “nenhum programa de saúde global na história passou por uma transição dessa escala”, especialmente em relação a uma doença sem cura ou vacina.
“É totalmente inviável encerrar o PEPFAR nesse prazo”, diz Robert Black, professor da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg, que coordenou uma auditoria do programa.
Desde a posse de Trump, os países atendidos demitiram equipes e perderam dados operacionais. Parceiros locais fecharam após cinco meses sem financiamento. A USAID interrompeu repasses, e subsídios autorizados não chegaram às entidades.
O novo plano, ainda em rascunho, seria apresentado aos países em outubro e ao Congresso em dezembro. Entre as exigências está o aumento da contrapartida financeira dos governos beneficiados.
Alguns países, como Botsuana, Namíbia, África do Sul e Vietnã, enfrentariam um desligamento do programa em dois anos. Já nações com altas taxas de HIV, como Quênia, Zâmbia, Lesoto, Zimbábue e Angola, teriam entre três e quatro anos. Para os mais frágeis, como RDC, Haiti, Moçambique, Sudão do Sul e Ucrânia, o prazo seria de cinco a oito anos.
“Três anos é um tempo irrealista para um programa tão complexo como o da Zâmbia”, afirma o Dr. Mwanza wa Mwanza. “Se a transição for rápida demais, nossos avanços serão perdidos.”
A nova política também encerra parte dos esforços de prevenção. Desde fevereiro, o PEPFAR financia esse tipo de ação apenas para mulheres grávidas e lactantes, deixando de fora grupos-chave como profissionais do sexo e casais sorodiscordantes.
Há, porém, sinais de possível reversão. O plano prevê investimentos em tecnologias como a nova injeção de prevenção do HIV, o lenacapavir, que protegeu 100% dos participantes em um grande ensaio clínico.
Governos africanos esperam começar a distribuir o medicamento neste ano, com apoio do PEPFAR, que se comprometeu a comprar doses para 2 milhões de pessoas. Sem os EUA, o futuro do projeto fica incerto.
O plano prevê acordos com fabricantes de genéricos para vender o remédio a US$ 40 por paciente por ano até 2028, com distribuição inicial em até 12 países prioritários. Mas os documentos não esclarecem como essas vacinas serão distribuídas, diante do colapso das cadeias de suprimento.
Outra mudança é a retirada dos EUA da coleta de dados, exigindo que os países assumam essa função segundo padrões congressuais, ou terão o financiamento encerrado.
Por fim, o texto prevê maior participação do setor privado, que passaria a comprar medicamentos e diagnósticos com preços negociados para o setor público. O sucesso da transição dependeria do Fundo Global de Combate à AIDS, Tuberculose e Malária, mas não há garantia de que os EUA manterão sua fatia de contribuição.