Diretor de 'Maníaco do Parque' fala de cuidados para não desrespeitar vítimas

19 de outubro de 2024 às 07:06
Brasil

Foto: Reprodução

Folha

O ator Silvero Pereira conquistou, nos últimos anos, a televisão e as telonas brasileiras com personagens queer que se distanciam do estereótipo de gays coadjuvantes e cômicos, como o caso de Crô de "Fina Estampa".

Depois de tipos próprios trabalhados em cena —como foi o caso de Raimundo Nonato na novela "A Força do Querer", motorista que também é a artista Elis Miranda— e personas excêntricas, como o violento insurgente Lunga, no filme "Bacurau", de Kleber Mendonça Filho, Pereira agora dá vida a um dos mais violentos serial killers brasileiros, Francisco de Assis, no filme "Maníaco do Parque".

Depois de atuar em "De Repente Drag", filme de 2022, e falar algumas vezes em público sobre os direitos da comunidade LGBTQIA+, a decisão de interpretar Francisco não foi por acaso. "A busca por atores precisa ser guiada pelo seu ofício e dissociada de sua vida pessoal", disse Pereira, na festa de encerramento do Festival do Rio.

"A minha decisão de fazer o Maníaco tem a ver com essa virada na minha trajetória, para que o mercado audiovisual entenda que o Silvero, além de militante nordestino e LGBT, é ator", ele afirma.

O longa da Prime Video é dirigido por Mauricio Eça, responsável pelo filme "A Menina que Matou Seus Pais", que reconta a história de Suzane von Richthofen. Mas a trama de "Maníaco do Parque" não é centrada em Francisco, e sim na investigação de seus crimes, feita pela jornalista Helena, vivida por Giovanna Grigio.

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O cuidado extra é uma resposta à polêmica envolvendo "Dahmer", série da Netflix que recontou os crimes cometidos por Jeffrey Dahmer, na década de 1970, nos Estados Unidos. Na época do lançamento, parte do público disse que os episódios, com cores vibrantes e músicas dançantes, romantizava os assassinatos brutais e desrespeitava o trauma dos familiares das vítimas.

"A ideia não foi dar o holofote ao Francisco. Fizemos o filme com o olhar de hoje, e a nossa escolha foi contar essa história como uma reparação histórica para essas mulheres vítimas", diz Eça.

A preocupação dá origem a longos diálogos entre Helena e sua tia, uma psicóloga que explica o comportamento de um psicopata, e ainda com outros jornalistas, todos homens, integrantes de um ambiente de trabalho contaminado pelo machismo. "No Brasil, as pesquisas dizem que os grandes consumidores desse tipo de filme [policiais] são mulheres. Talvez elas queiram entender melhor a cabeça do opressor", diz Eça.

Thaís Nunes, pesquisadora do caso que auxiliou na criação do roteiro, lamenta que a mídia brasileira, na época dos crimes, retratou Francisco como "sedutor, inteligente e irresistível", um sintoma ligado ao sucesso de filmes de assassinato na década de 1990.

Francisco abordava suas vítimas fingindo ser um agente de publicidade. Prometendo levar as mulheres para um ensaio de moda, ele às conduzia até o parque do Estado, onde às espancava, violentava e matava. No filme, essas cenas são alternadas com as pistas encontradas por Helena durante a investigação, na tentativa de revelar a identidade de Francisco.

Pereira diz que as filmagens foram acompanhadas de coordenadores de intimidade, que facilitaram a gravação de cenas mais violentas. Segundo ele, o streaming dá mais possibilidades de papéis a atores e atrizes queer —não os limitando a interpretar, obrigatoriamente, um personagem LGBTQIA+. "Na teledramaturgia, isso ainda é fechado", afirma o ator.

Seu primeiro papel na TV, em "A Força do Querer", surgiu depois que a autora Glória Perez o escolheu para viver Nonato. "Ela me viu no teatro e percebeu o ator que eu poderia ser", diz. "Mas a televisão está ficando mais corajosa."