Com regras rígidas, debate na Record tem tom ácido, mas mais civilidade entre os candidatos à prefeitura de SP

29 de setembro de 2024 às 07:54
Eleições 2024

Foto: Reprodução

O Globo

Após encontros que tiveram de cadeirada ao vivo a soco nos bastidores, o debate na TV Record, na noite deste sábado, foi mais civilizado. O programa teve tom ácido, mas praticamente não contou com agressões, ofensas, xingamentos ou apelidos pejorativos entre os candidatos à prefeitura de São Paulo.

Um dos momentos mais tensos ocorreu logo no começo, com trocas de acusações entre o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o empresário Pablo Marçal (PRTB). Além dos dois, participaram do encontro Guilherme Boulos (PSOL), Tabata Amaral (PSB), José Luiz Datena (PSDB) e Marina Helena (Novo). Este foi o nono debate da campanha pela prefeitura de São Paulo. Os dois últimos do primeiro turno serão o do UOL/Folha, nesta segunda-feira, e o da TV Globo, na quinta-feira.

Inicialmente, Marçal escolheu Nunes para responder uma questão sobre educação. Rapidamente, no entanto, o confronto passou a ter como foco a investigação da Polícia Federal sobre a chamada "máfia das creches", desvio de recursos para merenda na capital paulista.

— Não quero ser injusto com você, mas como estou acompanhando bem próximo, existe pagamento em seu nome e de familiares — afirmou Marçal para o atual prefeito. — Ninguém aqui está criticando a prefeitura, estamos mostrando a pessoa que toca a prefeitura — completou o empresário.

Nunes rebateu de modo mais agressivo:

– Quem fugiu da polícia foi você, sob acusação de participar da maior quadrilha. Minha vida é limpa, nunca tive condenação, e nunca terei. Você é um mentiroso contumaz, uma pena. Você também foi condenado em 22 processos na justiça eleitoral – afirmou Nunes.

A investigação da "máfia das creches" foi o tema levantado por Marçal em suas considerações finais do debate do Flow, na última segunda. Ao dizer que prenderia Nunes em uma eventual gestão na prefeitura, ele foi advertido três vezes pelo mediador e acabou expulso já no fim do programa. A confusão escalou para os bastidores e culminou em um soco de seu videomaker, Nahuel Medina, em Duda Lima, marqueteiro de Nunes.

Tabata usa Venezuela contra Boulos

O debate começou com a discussão de propostas para moradores em situação de rua. Primeiro a perguntar, Boulos prometeu acolhimento, geração de renda, moradia e itens básicos de higiene. Na resposta, Datena (PSDB) defendeu o aumento do auxílio aluguel e o aumento de médicos nos consultórios de rua. O jornalista ainda prometeu manter o debate dentro da discussão de propostas. No debate da TV Cultura, no último dia 15, Datena deu uma cadeirada em Marçal.

– Vou manter o princípio democrático de discussões e propostas, esse é o meu compromisso – disse Datena.

Na sequência, Tabata questionou Boulos sobre suas mudanças de posição em relação à descriminalização das drogas e o governo da Venezuela. A candidata do PSB lembrou que o candidato do PSOL costumava ter posturas mais à esquerda, a favor da liberação de entorpecentes e em defesa de Nicolas Maduro. Boulos respondeu que é necessário governar para todos, justificando uma mudança de posições mais ao centro.

– Eu lamento que você traga questões que não procedem com a verdade. Quando você se torna prefeito, você não governa só pro seu partido, você governa para a cidade toda. Por isso eu chamei a Marta, que é preparada, tem um time. tenho um apoio do Lula — disse Boulos.

O candidato do PSOL ainda afirmou que vai manter as creches conveniadas com a iniciativa privada na cidade, mas com aumento de repasse, melhorando reajustes salariais e de merenda. Tabata disse que vai melhorar o padrão das creches geridas por empresas privadas.

– Existem muitas entidades sérias, precisamos de padronização. Não é a mesma qualidade, a mesma merenda. Precisamos garantir o mesmo padrão, de escolas geridas pela prefeitura e conveniada – afirmou.

Nunes é principal 'vidraça'

O prefeito de São Paulo tem sido o principal alvo dos adversários. No embate entre Datena e Tabata, o jornalista usou parte do tempo para criticar Nunes e sugerir que existem irregularidades na campanha do candidato do MDB. Em seguida, prometeu a solução para segurança pública da cidade.

– Tem gente aqui que fala coisas e nem move um músculo da face. Como pode fazer uma campanha com esse dinheiro todo, como o Ricardo, sem uma coisa errada. Eu sempre defendi tolerância zero com bandido, mas dentro da legalidade. Sempre defendi tiroteio dentro da legada. A GCM vai ser super aparelhada para salvar de forma definitiva e livrar o povo da violência – disse Datena.

Tabata corroborou com as críticas ao prefeito e fez outras propostas sobre segurança pública.

– A prefeitura, o prefeito perderam o controle da cidade. Queremos câmeras 24h e policiamento reforçado em zonas mais perigosas, em pontos de ônibus – afirmou.

A candidata do PSB ainda aproveitou para cutucar Marçal.

– Temos uma indústria de roubo de celular. Vamos entender como a inteligência funciona. Vamos chamar a operadora, para rastrear os celulares roubados, mapear os locais de comércio, aí é cadeia. Não dá pra eleger candidato que já foi condenado, com ficha suja.

Na rodada de perguntas entre Nunes e Marina Helena, a troca de acusações se deu como pano de fundo para uma discussão sobre ensino de crianças autistas e com deficiência. Nunes foi quem lançou mão do tema ao perguntar as propostas da candidata para essa população. Marina falou brevemente sobre a melhoria do serviço das instituições de ensino público e passou a argumentar sobre corrupção.

— Mais importante, quando a gente fala de crianças é muito importante saber que sobra mais dinheiro para a prefeitura cuidar das pessoas quando não há “esquemas” — disse a candidata fazendo referência a uma denúncia feita pelo Intercept Brasil sobre o uso de recursos de campanha em uma locadora de carros de maneira irregular. — Explique aos eleitores.

Nunes inicialmente ignorou a estocada e seguiu falando sobre a temática das crianças autistas, dizendo que tem o plano de inaugurar TEA (nome que se dá à mais reconhecida terapia comportamental para essa população). E, brevemente, falou do caso citado por Marina Helena.

— Sobre o que você está falando, não tenho a mínima ideia — rebateu.

Advertência a Marçal

Marçal elevou o tom às críticas feitas para Nunes na sequência, ao dizer que o prefeito não estava à altura de um “cargo tão poderoso”.

— Foram feitas três perguntas para o Ricardo e as três ele não respondeu. A que parece que respondeu foi a (feita por) Marina, que disse que não sabe responder, o que é um grande problema. Significa que não pode ser prefeito de São Paulo no próximo mandato — atacou. — Ele é o pior prefeito da cidade em relação à educação. Ele foi injusto comigo falando de processo de 20 anos atrás que não transitou em julgado.

Ainda ao longo da réplica, Marçal chamou Boulos de “Boules”, como tinha feito em debates anteriores. Logo se desculpou, mas ainda assim foi advertido pelo apresentador e perdeu 30 segundos de fala nas considerações finais.

Diante das agressões nos debates anteriores, o mediador ressaltou, entre as perguntas formuladas pelos jornalistas da Record, que os candidatos não podiam deixar seus púlpitos. Ele destacou que Boulos havia deixado sua área para pedir um direito de resposta.

Aliança com Bolsonaro

Questionado por uma jornalista da TV Record se o ex-presidente Jair Bolsonaro vai indicar cargos em sua futura gestão em caso de vitória, Nunes se esquivou, evitando dar uma resposta direta.

– Meu vice, coronel Melo Araujo, foi indicação de Bolsonaro, ele combateu o crime na Ceagesp, foi da Rota. O presidente Bolsonaro, como os demais partidos, faz parte de uma frente ampla, que eu tenho muito orgulho, para continuar esse trabalho importante.

Boulos destacou que o prefeito deixou de responder a mais um questionamento polêmico.

– Vocês perceberam que o Ricardo Nunes não respondeu à pergunta da jornalista. Tem coisas que não tem resposta, como ele ficou três anos e meio na prefeitura e fez tão pouco. A jornalista citou o vice de Nunes, indicado por Bolsonaro, Melo Araujo disse que morador da periferia tem que ser tratado pior que os moradores do jardins.

Em resposta, Nunes atacou Boulos lembrando de quando o deputado federal defendeu a liberação do deputado André Janones (Avante) nas acusações de rachadinha.

– Sua única grande ação como político foi liberar o Janones da rachadinha, além de fazer invasões – disse.

Nunes acusou Boulos de “normalizar” a prática de rachadinha, quando parte dos salários pagos para membros de um gabinete público são desviados para benefício do político responsável. O candidato do PSOL, enquanto deputado federal, foi relator do processo que julgou a possível cassação do deputado André Janones, no Conselho de Ética da Câmara. Boulos recomendou o arquivamento e afirmou na época que a denúncia de rachadinha será investigada pela Justiça, mas o conselho não pode julgar atos anteriores ao mandato atual.

Denúncias contra Avalanche

Marçal foi questionado sobre a acusação de que Leonardo Avalanche, o presidente do PRTB, teria relações com o Primeiro Comando da Capital (PCC) e qual seria seu papel em uma eventual gestão de Marçal na prefeitura paulistana.

— Sobre o Leonardo, não foi instaurado nenhum procedimento (de investigação) a não ser uma notícia. Se tiver alguma ligação espero que pague. Ele foi o cara que resistiu a todas as pressões dos partidos que estão aqui para manter essa candidatura — afirmou, para começar a atacar Boulos, dizendo que o psolista teve uma imagem criada por “marqueteiro”. — Assim como fez com o Lula.

O comentário ficou a cargo de Tabata.

— Me preocupa muito que a gente tenha um candidato nesse debate que tenha tantas conexões com pessoas que comprovadamente são ligadas ao crime organizado — comentou Tabata em relação a Marçal. — (Há) uma importância em conhecer as pessoas. Não é só a palavra, a aparência, tem que ir atrás do histórico, está aqui por quê?

Cadeirada persegue Datena

Datena foi questionado por toda hesitação que está ao redor de sua candidatura e se o eleitor pode confiar que ele não vai deixar o cargo se eleito. Também foi perguntado sobre o “destempero” no episódio da cadeirada.

— Eu comecei a defender o que todo mundo está defendendo aqui há muito mais tempo. Comecei aqui na Record, eu sou o candidato que tem quase 70 anos — afirmou. —-- Cheguei a denunciar que ia ter crime organizado em São Paulo e no Rio e fui taxado de um cidadão sensacionalista

Sobre a cadeirada disse:

— Não é destempero, eu só me defendi. Só vou falar disso na Justiça. Quero manter o nível até o fim da campanha — despistou.

Invasões de propriedade

Boulos disse que não vai ter ocupações de propriedades durante seu governo, caso seja eleito, porque vai fazer uma política de habitação eficaz. Provocado por Marina Helena, que acusou o candidato do PSOL de invadir propriedades privadas, o candidato do PSOL desafiou os adversários e o público a citarem invasões que o MTST tenha feito.

– Como prefeito não vai acontecer ocupação, porque ocupação só acontece quando não tem política de moradia. Eu vou fazer a maior política de habitação da cidade. É inacreditável que tenha alguém que venha aqui só pra mentir. Eu desafiei eles que me digam uma casa que o MTST invadiu, faço isso também a você — destacou.

Marina Helena também citou que o estatuto do partido de Boulos, o PSOL, defenderia a "expropriação de propriedades. Boulos rebateu enumerando suas propostas na área de segurança.

— A Guarda Municipal vai permanecer armada e mais que isso, vou dobrar o efetivo da GCM. Hoje a nossa guarda tem a metade do efetivo da (corporação) que do Rio de Janeiro, que tem metade do número de habitantes. Vou dobrar o efetivo, fazer policiamento de proximidade, trazer de volta a Ronda Escolar. Na entrada e saída de alunos ter GCM lá. Quando estiver no período de aula ela fazer ronda no entorno das escolas — pontuou.

Apagão

No segundo bloco, Boulos lembrou do apagão de quase uma semana que ocorreu na cidade de São Paulo em novembro do ano passado e perguntou a Nunes onde ele estava no dia 5 de novembro. Na réplica, relembrou que neste dia o prefeito estava camarote de dois eventos (UFC e Fórmula 1), enquanto a população estava sem luz.

– São Paulo estava vivendo um apagão e Nunes estava no camarote do UFC, e depois no camarote da Fórmula 1. Foi ali que eu percebi que você não poderia mais ser prefeito. Eu sempre estive ao lado dos que mais precisam. Um prefeito que não tem compaixão, não pode ser prefeito, ainda mais de SP. Você deixou claro que não tem compromisso com o povo de São Paulo.

Nunes respondeu argumentando que a Enel, que administra a distribuição de energia na cidade, é uma concessão federal e o que ele poderia fazer era pedir ajuda de Brasília. O prefeito ainda retrucou dizendo que Boulos invadiu o Ministério da Fazenda.

– E 23 de setembro de 2015, onde estava o Boulos? O Boulos estava invadindo o Ministério da Fazenda. Você não sabe o que é fazer gestão. A Enel é concessão federal, eu fui fazer uma representação no CGU e no TCU. Eu mandei um projeto de lei para o presidente da Câmara, Arthur Lira, para os municípios poderem fiscalizar a Enel.

Jejum

No final do segundo bloco do debate, após Datena falar sobre a população que sofre com fome na cidade, Marçal decidiu contar ao público que está fazendo um jejum desde segunda-feira. O jejum é considerado um ato de sacrifício por cristãos que querem atingir objetivos, ou se aproximar de Deus. Marçal tem como principal alvo o eleitor evangélico.

– Eu me propus a fazer um jejum, meio-dia, na segunda-feira, e quero compartilhar com todos vocês, independente de você gostar de mim ou não, mas esse jejum é pelo povo. Eu estou só tomando água, desde segunda-feira, meio-dia, e vou entregar na próxima segunda-feira, sete dias, que é o número da plenitude. Para você entender o quanto estou levando isso a sério. Estou buscando em Deus soluções para esclarecer tanta mentira em relação à minha pessoa, para atingir seu coração de fato.

Avaliação final dos candidatos

Ao fim do debate, o balanço dos candidatos foi positivo. Datena chegou e saiu sem falar com a imprensa. Boulos lamentou que Tabata resolveu lhe atacar:

— Eu não vou comentar isso, eu só acho lamentável que eu disputando com dois bolsonaristas, a prioridade dela seja nos atacar — falou.

Já Tabata comemorou o debate sem brigas e disse que está na campanha “para mostrar as incoerências de todos os adversários”, sem importar quem seja. Nunes, por sua vez, disse que a mudança de clima no debate se deve tanto à organização, com regras rígidas, quanto ao aumento da rejeição de Marçal.

Medidas de segurança

O debate deste sábado na TV Record contou com mais restrições e mudanças de cenário para conter eventuais atos de violência entre os adversários. Detectores de metais foram instalados na porta de acesso ao estúdio da emissora, para impedir a entrada de armas. Todos os assessores tiveram que passar pelo equipamento de segurança, mas os próprios candidatos não foram submetidos ao dispositivo. No debate anterior, realizado na segunda-feira passada pelo grupo Flow, assessores das campanhas relataram a presença de homens armados no local da transmissão.

Além disso, os candidatos beberam água em copos de acrílico neste sábado, para evitar que o vidro fosse usado como arma branca. As cadeiras do estúdio também foram fixadas ao chão, medida que já se tornou praxe entre as emissoras após a cadeirada de José Luiz Datena (PSDB) em Pablo Marçal (PRTB) no debate da TV Cultura, no último dia 15.

O local ainda contou com 20 seguranças da Record. Parte esteve responsável por conter os candidatos em caso de alterações, e outra parte se concentrou na plateia, entre os assessores de campanha dos dos diferentes partidos. Como em um estádio de futebol, as "torcidas adversárias" não tiveram contato entre si, apenas visual. A gravação dos bastidores com celulares esteve proibida.

As regras passaram ainda a prever que “irregularidades” cometidas por assessores ou convidados podiam gerar punição aos próprios candidatos, que estiveram sujeitos à suspensão do tempo de fala nas considerações finais ou até mesmo à exclusão, “a depender da gravidade do fato” que causou a punição.

Por fim, as regras originais concediam um tempo fixo de dois minutos para perguntas e quatro minutos para respostas, período que poderia ser administrado pelo próprio candidato. No lugar, no entanto, foi adotado o esquema tradicional com tempo fixo para perguntas (30 segundos), respostas (2 minutos), réplicas (1 minuto e 30 segundos) e tréplicas (2 minutos), administradas pelo mediador, o jornalista Eduardo Ribeiro. O objetivo foi evitar interrupções e bate-boca entre os candidatos.