RS tem 1,2 mil pedidos de Auxílio Reconstrução em nome de pessoas que constam como mortas

13 de julho de 2024 às 08:25
Brasil

Ex-detento que pediu o Auxílio Reconstrução no RS — Foto: Reprodução/RBS TV

g1

Só tem direito a receber o auxílio de R$ 5,1 mil via PIX quem foi diretamente afetado pelas cheias. As prefeituras identificam os moradores e enviam os dados para a União, que faz o repasse. No entanto, nem todos os cidadãos que constam com indício de óbito estão, de fato, mortos (entenda mais abaixo).

Segundo o ministro da Secretaria de Apoio à Reconstrução do RS, Paulo Pimenta (PT), o governo tem dois mecanismos para tentar coibir as fraudes – em uma "malha fina". O primeiro é a proposta de publicação do nome, endereço e CPF de todas as pessoas que receberam o auxílio. O segundo é o cruzamento de dados do Censo, das contas de água e luz, além dos registros no SUS, CadÚnico e Receita Federal.

"É lamentável que, numa situação como essa, a gente tenha que enfrentar essa tentativa de fraude, que é tirar o dinheiro das pessoas que mais precisam na hora que elas mais precisam", diz Pimenta.

Porto Alegre é a cidade com o maior número de mortos entre os pedidos do auxílio. Das 124,7 mil famílias cadastradas na capital, 862 delas teriam o responsável já falecido. Na sequência, aparecem Novo Hamburgo, Canoas e São Leopoldo, na Região Metropolitana.

Vivo consta como morto

O g1 revelou o caso de Geremias Izaias Porto Costa, morador de São Leopoldo, na Região Metropolitana, que esperava receber o auxílio, mas foi surpreendido com o aviso de que o benefício não foi liberado porque "o responsável familiar possui indicativo de óbito".

Em 27 de maio, ele fez o cadastro para o pedido junto à prefeitura, etapa necessária para que houvesse futura avaliação e liberação pelo governo federal, e o Município enviou os dados dos habitantes ao governo federal.

Ao g1, o ministério admitiu o erro e afirmou que a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev), órgão responsável pelo sistema onde o benefício é solicitado, trabalha para regularizar o CPF de Costa. Não detalhou, no entanto, como o erro aconteceu.

"É difícil. A gente precisando desse dinheiro e acontece uma coisa dessas. É muito difícil", desabafa Costa.

Sistema do governo federal aponta que benefício não foi liberado porque homem foi dado como morto — Foto: Arquivo pessoal

Preso beneficiado e empresa fechada 'atingida'

Em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, o RBS TV identificou duas tentativas de acessar dinheiro da prefeitura e do governo federal. A reportagem descobriu cadastrados nos programas um homem que estava preso à época da inundação e a dona de uma salão de beleza fechado seis meses antes da tragédia.

Júnior Cechinel entrou com o pedido para receber os R$ 5,1 mil do Auxílio Reconstrução, pagos pelo governo federal, alegando ter perdido tudo com a cheia no bairro Harmonia, em Canoas. No entanto, ele estava preso na Penitenciária Modulada de Osório, no Litoral Norte, entre 28 de dezembro de 2023 e 28 de maio de 2024.

A RBS TV apurou que o homem indicou como endereço a quarta casa em um terreno no bairro. No entanto, existe apenas uma residência no local, e o único dono mudou-se provisoriamente para a casa de um parente, em Nova Santa Rita.

Após receber liberdade condicional, o homem passou a residir com o pai na praia de Quintão, em Palmares do Sul – a 136 km de Canoas. Sem saber que estava sendo gravado, ele mantém sempre a mesma versão a quem pergunta sobre a tragédia.

"Eu estava morando lá quando encheu. Me tiraram de barco", afirmou.

Além de se cadastrar para receber o auxílio, Júnior também passou a intermediar o esquema para outras pessoas, "vendendo" endereços supostamente não reivindicados por moradores. Júnior cobra R$ 550 pelo serviço, sendo R$ 50 no ato e R$ 500 quando o dinheiro for liberado pelo governo federal. Se alguém fiscalizar, ele orienta como justificar.

Ex-detento que pediu o Auxílio Reconstrução no RS — Foto: Reprodução/RBS TV

Em outra suspeita de fraude, uma microempreendedora também se inscreveu na Prefeitura de Canoas para receber, indevidamente, dois benefícios: além do Auxílio Reconstrução, a mulher requereu uma verba destinada pelo município a microempreendedores afetados pela enchente.

Na Receita Federal, Dienifer Massena aparece como dona de uma estética no bairro Mathias Velho. No questionário que preencheu para ter acesso à verba municipal, alegou que o salão foi "muito impactado". A água teria atingido parte do segundo piso. De acordo com Dienifer, foram perdidos computador, micro-ondas, geladeira e móveis.

O problema é que ela fechou a estética em dezembro do ano passado, cinco meses antes da catástrofe climática. E deixou isso bem claro tanto em texto quanto em vídeo publicados nas redes sociais, chegando a reclamar do ganho de peso com a mudança de endereço

"A gente foi embora, só que com isso, veio o ganho de peso. Então, eu ganhei 14 kg em dezembro, quando graças a Deus a gente conseguiu vir embora, até agora", afirmou em vídeo.

A Prefeitura de Canoas afirma que excluiu o homem e a mulher dos cadastros de beneficiados. O município diz que a checagem dos dados apresentados em relação ao auxílio reconstrução cabe ao governo federal.