Após caos provocado por Trump e Musk, Câmara dos EUA aprova, em cima da hora, plano para evitar paralisia do governo
O Globo
Foram 366 votos a favor e 34 contra, todos do Partido Republicano. Um democrata marcou presença mas não votou. A proposta agora vai para o Senado, onde não deve enfrentar tantos problemas. Depois disso, o texto irá para sanção do presidente Joe Biden, que disse, através de sua porta-voz, Karine Jean-Pierre, que "apoia o avanço desta legislação e a garantia dos serviços vitais que o governo fornece aos americanos trabalhadores, desde a emissão de cheques da Previdência Social até o processamento de benefícios para veteranos".
Ao longo da sexta-feira, o republicano Mike Johnson, presidente da Câmara, discutiu com lideranças dois planos para quebrar o impasse antes do fim do prazo. O primeiro era insistir em um texto votado e derrotado na quinta-feira, apoiado por Trump, que desidratava o projeto firmado com os democratas, sem qualquer garantia de aprovação.
Segundo o portal Politico, lideranças republicanas votaram a favor de apresentar a proposta novamente ao plenário, mas excluindo um pedido feito por Trump, o de ampliar o teto de endividamento para o ano que vem — esse o limite que o governo federal pode tomar emprestado para pagar suas contas: uma vez atingido, ele precisará se financiar com seus próprios recursos.
Além do financiamento, o plano aprovado inclui verbas de assistência para regiões afetadas por desastres naturais e apoio para fazendeiros, itens previstos no texto original derrubado por Trump e Musk.
— Não teremos uma paralisação do governo e cumpriremos nossas obrigações para com nossos fazendeiros que precisam de ajuda, para com as vítimas de desastres em todo o país e para garantir que os serviços militares e essenciais e todos que dependem do governo federal para um salário sejam pagos durante os feriados — disse Johnson, citado pela CNN, antes da votação.
Um texto alternativo, rejeitado pelas lideranças, previa três votações: uma para o financiamento, uma para a ajuda a regiões afetadas por desastres e uma para o apoio aos fazendeiros. O teto da dívida também ficou fora.
Como os deputados não aprovaram um Orçamento para 2025, o Congresso precisou apresentar planos temporários para financiar atividades como o trabalho de agências federais, pagamento de funcionários e até a gestão de parques nacionais. O primeiro foi aprovado em setembro, e previa dinheiro até 0h01 de sábado — para manter a máquina operando, era necessário passar um segundo pacote, válido até março, quando uma nova legislatura e um novo presidente estarão empossados.
Até quarta-feira, havia um texto negociado entre democratas e republicanos, pronto para ser aprovado sem grandes sustos. Foi quando entraram em cena Trump e Musk, que terá o cargo de “czar da eficiência” no novo governo, e será responsável por eliminar gastos na administração pública. Em publicações em redes sociais e declarações públicas, ambos atacaram o que consideraram ser “excesso de penduricalhos” na proposta, considerados por eles como “concessões aos democratas”.
Em uma ameaça mais contundente, sugeriram que os republicanos que votassem a favor do texto poderiam perder o apoio do partido nas eleições legislativas de 2026, quando toda a Câmara será renovada. A ameaça surtiu efeito, e os democratas, que poderiam salvar a proposta, preferiram observar o caos à distância e insistir no plano original até a última votação.
Se o financiamento não tivesse sido aprovado a tempo, apenas as atividades essenciais do governo federal estariam mantidas, com impactos à população.
No último período de paralisia do governo, em 2019, centenas de operadores aéreos deixaram de comparecer ao trabalho após quase um mês sem receber salários, impactando as viagens de milhares de pessoas no período mais movimentado do ano. O Pentágono aponta que, embora tenha planos de contingência, não terá como honrar alguns compromissos externos, e parques nacionais se verão diante do risco de fechar as portas temporariamente por causa da suspensão de repasses federais.
Até a chegada de Trump ao poder seria afetada. Segundo o Politico, funcionários de agências federais poderiam ser impedidos de se comunicar e trabalhar ao lado da equipe do republicano. Um impasse mais longo atrasaria a contratação das pessoas que atuarão na cerimônia da posse, em janeiro, desde as que acompanham os convidados até os responsáveis pela distribuição dos convites.
— As atividades de transição serão restritas. Estamos fazendo de tudo para garantir uma transição tranquila, mas a escolha de permitir que uma transição avance está nas mãos dos republicanos no Congresso — disse a secretária de imprensa Karine Jean-Pierre aos repórteres na sexta-feira, alertando que apenas “atividades essenciais” da transição seriam mantidas, como serviços de segurança e inteligência.
Ao causar uma crise um mês antes de retornar à Casa Branca, Trump também mostrou os limites de sua Presidência. Muitos republicanos se recusaram a apoiar mudanças no teto de endividamento, apontando que a medida vai contra a ideia de austeridade dos gastos, e não tiveram problemas ao se aliar com os democratas no plenário.
O republicano também tem, ao menos na Câmara, uma margem menos confortável de ação. Sua maioria é de apenas cinco cadeiras, ao contrário das oito da atual legislatura (no Senado ele tem maioria de 53 contra 47), e contar com o voto da oposição, como ficou evidente nas discussões sobre o Orçamento, pode não ser viável. A médio prazo, o estilo caótico do presidente, agora incentivado por Elon Musk, traz o risco de alienar a própria base, ou ao menos os que não se identificam com o chamado “trumpismo raiz”.
— As pessoas vêm a Washington para fazer uma de duas coisas. Para marcar uma posição. Ou para fazer a diferença. Geralmente não é tão difícil dizer quem está fazendo o quê. Especialmente em situações como a que estamos vivendo agora — afirmou o líder republicano no Senado, Mitch McConnell, citado pelo Politico. — Você nunca consegue tudo o que quer, mas frequentemente consegue bastante. E as pessoas que preferem marcar posições têm o hábito engraçado de nos lembrar em voz alta como não entendem isso.