Eleições EUA: Na reta final, Kamala vai em busca do voto de mulheres conservadoras e Trump aposta nos apolíticos
O Globo
Na mais disputada eleição presidencial americana em duas décadas, democratas e republicanos apostam, além da mobilização de suas tradicionais bases, em estratégias díspares para conquistarem na eleição desta terça-feira os 270 votos no Colégio Eleitoral. As ações das campanhas nas últimas horas antes do voto nos sete estados mais decisivos foram informadas por sondagens internas. Elas indicam o aumento da polarização política a partir de gênero e educação e sua diminuição se considerados raça e classe social.
Mulheres e eleitores com mais escolaridade tendem a votar na vice-presidente Kamala Harris em maior número do que o fizeram no presidente Joe Biden em 2020. Já o ex-presidente Donald Trump ampliou desde então sua vantagem entre homens e pessoas sem curso superior. Também avançou sobre o voto latino, negro e de trabalhadores de colarinho azul, ainda que sigam majoritariamente votando democrata.
Apesar do arrastado processo eleitoral iniciado há dez meses, na prévia republicana de Iowa, e de seguidos eventos inusitados, entre eles o aborto da candidatura à reeleição de Biden e as duas tentativas de assassinato de Trump, a disputa chega ao seu último dia indefinida. Pesquisas indicam empate em todos os estados-pêndulo. E a vitória, creem estrategistas democratas e republicanos, virá de quem ampliar mais as margens em estratos específicos nas unidades mais decisivas da federação.
Comandante das vitoriosas campanhas de Barack Obama à Presidência, David Axelrod reconheceu no domingo na CNN a dificuldade de vencer o pleito com a aprovação de 40% de Biden pelos eleitores nas pesquisas, com 57% contrariados com o modo como o país é conduzido. Se do outro lado não estivesse um personagem que desperta amor e ódio em proporções idênticas, os republicanos teriam hoje, diz, uma véspera de eleição mais tranquila.
Mulheres de direita
A principal aposta de Kamala para amanhã está nos subúrbios, onde precisa aumentar a margem das vitórias democratas nas duas últimas eleições. O principal combustível para 2020 e 2022 foram os votos anti-trumpistas de mulheres mais conservadoras, em sua maioria brancas e de classe média alta, que cruzaram a linha partidária. Parte delas votou na ex-governadora da Carolina do Sul Nikki Haley nas primárias republicanas deste ano nos estados decisivos.
O apelo a estrato não se trata apenas do peso histórico de levar à Presidência a primeira mulher, negra e de origem caribenha e asiática. Uma das razões pelas quais as pesquisas mostram mais mulheres pensando em votar democrata amanhã é o fim do direito ao aborto, decidido em junho de 2022 pela Suprema Corte, com o voto decisivo dos juízes conservadores indicados por Trump.
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A campanha de Kamala não só defende os “direitos reprodutivos” das americanas como denunciou a mudança como “invasão do governo em nossas vidas privadas”, distanciando-se de posições dogmáticas. Por isso crê que as urnas amanhã serão mais parecidas com 2022 do que 2016, quando Trump derrotou a ex-secretária de Estado Hillary Clinton.
— Sou veterana das Forças Armadas, e companheiras engravidaram após serem estupradas quando serviam. Não concordo em elas agora serem forçadas a seguir com a gravidez, dependendo de onde vivem — disse Ann Mitzel, de 62 anos, em comício da democrata na Grande Phoenix, no Arizona, um dos 10 estados que decidirá no voto o fim legal da gravidez.
Nos mapas internos democratas, eleitoras como Ann garantiriam a vitória de Kamala. O cálculo, no entanto, depende de migração menor do que a apontada pelos republicanos de trabalhadores brancos e homens jovens negros e latinos, saudosos do Trump pré-pandêmico, quando tinham mais dinheiro no bolso, e atraídos pelo discurso xenofóbico, com a promessa de deportação de milhares de imigrantes em situação irregular.
— Não gosto do sujeito, mas votarei nele pois mal consigo pagar meu aluguel e colocar comida em casa. Com Trump, não vivíamos a insegurança da invasão de ilegais pela fronteira e de guerras como as da Ucrânia e de Gaza — diz o motorista de aplicativo da Filadélfia Michael Abbas, 55, que é negro, muçulmano e imigrou há um quarto de século, do Quênia.
Os democratas colocarão à prova amanhã operação de campo percebida pelos dois lados como mais organizada, com um exército de militantes distribuídos em grupos específicos, que se sofisticou justamente após a derrota de Hillary. Em conjunto, a militância diz ter batido em 8 mil portas na Pensilvânia no domingo, e a meta é dobrar o número nesta segunda. Este ano, beneficiou-se da vantagem em doações que garantiu investimento superior ao dos republicanos em seis dos sete estados decisivos.
De forma reservada, líderes regionais da campanha de Kamala dizem temer os resultados justamente de Nevada, onde republicanos gastaram mais, e no Wisconsin, com perfil mais conservador do que o vizinho Michigan. Entre os republicanos, o nervosismo é maior sobre a Carolina do Norte, onde a eleição para o governo estadual com um trumpista ultraconservador e a destruição do furacão Helen em redutos trumpistas podem dar a a vitória à vice. Os dois lados se dizem confiantes com o prêmio maior, a Pensilvânia.
Trump mira descontentes
Os republicanos miram em uma ampliação de 2016 replicando nas eleições gerais a fórmula exitosa das primárias este ano— engordando a fiel base trumpista com eleitores antissistema, que não votam habitualmente mas vêm sendo cadastrados pelo movimento Faça os EUA Grandes Novamente desde 2015. Daí o aumento crescente do radicalismo nos discursos de Trump, com retórica cada vez mais violenta, com tiradas sexistas e racistas. O ex-presidente também acentuou esta semana a pregação falsa de que só a fraude, que já estaria acontecendo na Pensilvânia, tiraria a vitória de Trump. E que, por isso, “precisamos vencer de lavada e votar em número recorde”.
No sábado, uma pesquisa regional respeitada indicou uma virada em um estado considerado seguro para Trump, Iowa, onde a corrida começou em janeiro. Kamala teria agora 47% contra 43% de intenção de votos para o republicano, empate dentro da margem de erro. Nas médias de pesquisa, ela segue atrás por 6%. Mas a nova pesquisa, da Selzer, para o Des Moines Register, o principal diário do estado, oferece detalhe importante: o crescimento de Kamala fo impulsionado justamente por mulheres, em sua maioria de mais de 40 anos. O estado do Meio-Oeste implantou em julho a proibição de aborto após seis semanas, em desacordo com a maioria dos eleitores, de acordo com seguidas pesquisas, e essa seria uma reação à mudança na legislação estadual. Mesmo que não vençam na terça-feira em Iowa, democratas viram dois sinais de fumaça importantes na pesquisa — a emergência da possível onda feminina que garantiria a vitória e o fato de ela ter sido registrada em um estado do Meio-Oeste, com eleitorado similar ao dos decisivos Wisonsin (especialmente) e Michigan.
Mas outros números, para consumo interno, mostram aos republicanos que mesmo em estados que tratarão do aborto na terça-feira, como o Arizona, quinhão significativo de eleitoras votará favorável a garantir o direito e em Trump. A campanha não acredita que perderá a queda de braço por conta da multiplicação de mulheres votando em Kamala. Nem de um apoio maciço de ex-indecisos na última hora à adversária. Equilibrariam a disputa de gênero com uma expansão igual ou maior entre os homens, incluindo os árabes do Michigan, com o voto de protesto contra o apoio de Washington a Israel em Gaza que poderia derrubar a Muralha Azul democrata.