Desempenho de Kamala em debate dá fôlego à campanha, mas caminho para vitória contra Trump ainda é longo
O Globo
As pesquisas pós-debate foram praticamente unânimes: na CNN, 63% dos espectadores consideraram Kamala mais consistente do que Trump (37%), e houve aumento das visões positivas sobre a vice-presidente, e das negativas sobre o republicano. Pelo instituto YouGov, Kamala venceu por 54%, contra 31% de Trump e 14% de indecisos.
Com um dos períodos de campanha mais curtos da História dos EUA, Kamala Harris tem pouco tempo para se apresentar aos eleitores, que ainda a veem como uma desconhecida, e sabia que a noite poderia ser sua melhor e talvez última chance de vitória. A democrata partiu para o ataque: citou suas inconsistências, suas posições ambíguas, seu histórico questionável e plantou uma série de armadilhas, quase todas eficazes. O que se viu foi um Trump na defensiva e por vezes incoerente.
Mas para alguém que precisa vencer o desconhecimento do eleitorado, que já sabe muito bem quem é o ex-presidente, parece ter sido pouco. Especialmente entre aqueles que são o grande troféu da eleição, os eleitores indecisos nos sete estados-pêndulo que decidirão quem governará os EUA a partir de janeiro do ano que vem.
— Ela ainda precisa me impressionar — afirmou Samira Ali, estudante da Universidade do Wisconsin, em entrevista ao New York Times, na saída de um evento que exibiu o debate, organizado pela rede ABC. — Ainda estou decidindo.
Ao mesmo tempo em que dedicou preciosos minutos para atacar Trump, Kamala não mergulhou em suas propostas de governo, como os planos para impulsionar o que chama de “economia de oportunidade”, focada na classe média. As promessas de incentivos fiscais a novos negócios não foram suficientes para reverter uma visão, confirmada inclusive pela pesquisa pós-debate, de que Trump é mais capaz de lidar com a economia e também com a imigração, outro tópico quente das discussões.
— Ela tentou algumas vezes dizer, “Eu quero fazer isso e eu quero fazer aquilo”, e essas são promessas legais — disse ao New York Times a professora aposentada Sharon Reed. uma eleitora indecisa da Pensilvânia. — Espero que ela consiga fazê-las passar pelo Congresso.
Apesar de não ter sido uma noite a se lembrar, Trump não cometeu erros cruciais, como o fez o candidato democrata em 1988, Michael Dukakis, ao não mostrar qualquer tipo de emoção em uma questão sobre pena de morte, ou como as repetidas consultas ao relógio do republicano George H.W. Bush em 1992. Tampouco teve um desempenho desastroso como o do ex-candidato à reeleição, Joe Biden, em junho, no momento que definiu o fim de sua campanha.
Pode ter sido o bastante. Uma parcela considerável de sua base está cristalizada, e a ampla maioria dos que dizem que votarão nele em novembro não pretendem mudar de ideia. Como Kamala Harris tem afirmado, é a campanha democrata que corre por fora e é ela que precisa se apresentar aos EUA, mesmo após três anos e meio no segundo cargo mais importante do país.
— Nada está claro para mim, e estou realmente tentando acompanhar — disse Gerald Mayes, eleitor indeciso do estado de Nevada, ao New York Times. — Quero saber como tudo isso impacta minha família financeiramente.
Nas próximas semanas, Kamala Harris e seu companheiro de chapa, o governador de Minnesota, Tim Walz, se lançarão em uma maratona de comícios, reuniões e eventos públicos para se apresentar aos eleitores dos estados-chave. A vice-presidente quer impulsionar sua agenda em temas como a defesa do direito ao aborto e na defesa da democracia, campos seguros para sua campanha, e também sobre a economia e a imigração, buscando uma distância confortável do questionado legado de Joe Biden.
Kamala anunciou, minutos após o fim do debate, que quer enfrentar Trump mais uma vez. Em mensagem de e-mail, a campanha afirmou que “o povo americano pôde ver a escolha que enfrentará neste outono nas urnas, entre seguir em frente com Kamala Harris ou voltar atrás com Trump”, e que, por isso, ambos precisam se enfrentar novamente em outubro.
Trump, afirmando que venceu o debate, disse que “vai pensar” no assunto. Antes da desistência de Biden, era o republicano que defendia a realização de discussões entre os candidatos à Casa Branca. Ele criticou o formato do programa, e em um arroubo pouco democrático disse que, caso eleito, “revogaria” a licença de operação da ABC.
— Foi um acordo fraudado, como eu presumi que seria, porque quando você olha para o fato, eles estavam corrigindo tudo [que Trump dizia] e não a corrigindo [Kamala] — disse Trump à CNN, na terça-feira, insatisfeito com as correções feitas pelos moderadores a algumas das inverdades ditas por ele ao longo das quase duas horas de programa.
Uma nova recusa poderia estar ligada à pouca disposição republicana para correr riscos, como um deslize mais grave diante das câmeras, ainda mais com um Trump nada afeito a treinamentos para debates.
— Se você não der ouvidos aos conselhos de pessoas especializadas em certas áreas sobre discursos, sobre o que as pessoas realmente pensam em termos do seu legado, quando você não der ouvidos aos conselhos de especialistas em política, você provavelmente entrará em águas perigosas — alertou o senador republicano Thom Tillis, que considerou que Trump caiu nas armadilhas de Kamala Harris.
E além dos fatores circunstanciais de uma eleição peculiar, a história não permite tanto entusiasmo com debates presidenciais. Em 2016, o desempenho da então candidata democrata, Hillary Clinton, foi considerado “devastador” para a campanha de Trump, e analistas chegaram a cravar que aquele era um sinal de que ela venceria sem dificuldades em novembro.
O resultado foi bem diferente.
Quatro anos antes, em 2012, pesquisas deram a vitória, por grande margem, ao republicano Mitt Romney no primeiro debate contra o então presidente, Barack Obama. Nas urnas, o democrata recebeu mais um mandato de forma contundente. E sem questionamentos.