Rússia anuncia restrições aos meios de comunicação dos EUA em resposta a sanções americanas

06 de setembro de 2024 às 09:34
Mundo

Foto: Valery SHARIFULIN / POOL / AFP

O Globo

— Uma resposta simétrica não é possível. Não existe uma agência de notícias estatal nos EUA e não existe um canal de TV estatal nos EUA — disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, à agência de notícias estatal RIA Novosti. — Mas certamente haverá medidas aqui que restringirão a mídia deles que divulga suas informações.

Há dois dias, os EUA anunciaram sanções contra cinco empresas de mídias estatais russas, incluindo a Russia Today. A plataforma online, segundo autoridades americanas, é usada pelas agências de inteligência russas para veicular desinformação. Dela, foram sancionados sua editora-chefe, Margarita Simonyan, e adjuntos.

Já Konstantin Kalashnikov e Elena Afanasyeva, identificados respectivamente como "vice-chefe do Departamento de Projetos de Mídia Digital" e "produtora da RT", foram acusados pelo Departamento de Justiça de pagarem US$ 10 milhões secretamente a uma companhia não identificada para veicular milhares de conteúdos em inglês, a maioria apoiando os objetivos do governo russo, "particularmente a guerra na Ucrânia", em diversas plataformas.

Em seu canal no Telegram, a RT desqualificou as acusações dos Estados Unidos como “clichês conhecidos": "Três coisas são inevitáveis ​​na vida: a morte, os impostos e a 'interferência do RT nas eleições americanas'", ironizou.

Na quinta-feira, a chanceler russa, Maria Zakharova, já havia afirmado que haveria uma resposta contra o que descreveu como "tentativas de expulsar jornalistas russos do território dos Estados Unidos, criar condições inaceitáveis ​​para seu trabalho ou quaisquer outras formas de obstrução de suas atividades, inclusive com o uso de ferramentas de visto". Peskov não disse quais restrições a Rússia introduziria contra a mídia americana, mas afirmou que serão selecionadas dependendo de suas políticas editoriais, informou a Tass, destacando ser "impossível especular sobre qualquer abordagem unificada".

— Alguns desses veículos demonstram alguns traços de tentativas de manter um equilíbrio na apresentação de informações sobre o que está acontecendo, principalmente em torno da Ucrânia. Outros não se preocupam em manter tal equilíbrio, eles apresentam informações de forma tendenciosa e não param de espalhar falsidades — disse o porta-voz, acrescentando que as autoridades russas levarão "todos esses fatores em consideração".

A maioria dos meios de comunicação americanos reduziu ou retirou sua equipe da Rússia quando Moscou lançou sua ofensiva contra a Ucrânia em fevereiro de 2022 em meio a leis que visavam a reportagens independentes sobre o conflito. Alguns jornalistas americanos chegaram a ser presos na Rússia durante a guerra, incluindo, Evan Gershkovich, condenado a 16 anos por espionagem mas libertado dias depois em uma troca de prisioneiros. Não há mais repórteres americanos na Rússia, segundo a Reuters.

Segundo um balanço do Ministério das Relações Exteriores russo divulgado pela Tass, pelo menos 150 restrições diferentes foram impostas à mídia e a jornalistas russos por países ocidentais desde o início da guerra.

O porta-voz do Kremlin também justificou a censura sem precedentes de Moscou durante sua ofensiva na Ucrânia, em uma rara admissão do controle rígido da Rússia sobre as informações. A Rússia está em 162º lugar no monitoramento de liberdade de imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras, que analisa 180 países.

— No estado de guerra em que nos encontramos, as restrições são justificadas e a censura também é justificada — disse ele em comentários separados à agência de notícias russa TASS.

Relação Putin-Trump

As autoridades americanas há muito tempo alertam sobre os esforços de potências estrangeiras para interferir nas eleições americanas, acusando Moscou de tentar influenciar as votações dos EUA desde a disputa de 2016 entre o ex-presidente Donald Trump e a democrata Hillary Clinton. As agências de espionagem americanas avaliam que o Kremlin favorece Trump contra Kamala na disputa de novembro, considerando-o mais cético em relação ao apoio americano à Ucrânia no conflito.

A inteligência americana concluiu que houve interferência russa nas duas últimas eleições presidenciais (2016 e 2020) a favor de Trump, com quem o presidente Vladimir Putin nutre uma relação complexa. Tanto o republicano, quanto a diplomacia russa, negam categoricamente a acusação.

No dia anterior ao anúncio, após a onda de sanções, a Casa Branca voltou a instar Putin que "pare de falar" sobre e "pare de interferir" nas eleições marcadas para novembro. A exigência veio após o presidente russo afirmar ironicamente que apoia a candidata democrata Kamala Harris e não Trump. Por acreditarem que Moscou prefere o republicano, analistas interpretaram a declaração de quinta-feira como uma simples estratégia para confundir as intenções russas.

E não é só a Rússia que está na mira: há poucas semanas, os serviços de segurança americanos acusaram o Irã de estar por trás da invasão dos sistemas da campanha de Trump, e viram sinais de que Teerã tentou o mesmo contra Kamala. Frente a esse cenário, o secretário de Justiça americano, Merrick B. Garland, afirmou na quarta-feira: "Seremos implacavelmente agressivos para combater e interromper tentativas da Rússia, Irã, bem como da China ou de qualquer outro ator maligno estrangeiro, de interferir nas eleições e minar nossa democracia." (Com AFP)