Bolsa argentina afunda quase 6% após escândalo de Milei com criptomoeda
Reuters
O principal índice de ações da bolsa de Buenos Aires, S&P Merval, caiu 5,58% nesta segunda-feira (17), depois que o presidente da Argentina, Javier Milei, elogiou uma criptomoeda chamada $Libra que logo depois sofreu forte desvalorização.
Uma juíza argentina foi designada nesta segunda para investigar o caso. A investigação foi atribuída aleatoriamente à veterana juíza federal Maria Servini, depois que a mídia local informou que mais de 100 queixas foram apresentadas ao Judiciário.
A Justiça, agora, deve determinar se Milei incorreu em associação ilícita, fraude e descumprimento dos deveres de funcionário público, entre outros delitos.
"Denunciamos que Milei fez parte de uma associação ilícita que organizou uma fraude com a criptomoeda $LIBRA, que afetou simultaneamente mais de 40 mil pessoas com perdas de mais de US$ 4 bilhões", afirmou em um comunicado o Observatório de Direito da Cidade, cujos advogados lideram uma das ações.
A denúncia inclui, entre outros, Julián Peh, CEO e cofundador da Kip Network e KIP Protocol —empresas que participaram da criação do $LIBRA—, e o presidente da Câmara dos Deputados, Martín Menem, que repostou a mensagem de Milei na sexta-feira no X.
Segundo o documento judicial, o fato de que "o presidente Milei e outros líderes de seu partido La Libertad Avanza promoveram o Token, conferiu legitimidade ao projeto para que milhares de investidores confiassem".
A ação solicitou à Justiça a busca e apreensão na residência presidencial de Olivos e a apreensão de computadores, tablets e telefones celulares.
A câmara fintech do país disse que poderia equivaler a um "rug pull", ou "puxada de tapete", nome dado ao golpe em que desenvolvedores atraem investidores, fazendo o valor de uma moeda disparar rapidamente, e depois retiram seus fundos, fazendo com que a criptomoeda perca seu valor e os investidores fiquem com tokens sem valor.
"O governo de Milei está sofrendo a maior crise de reputação de sua gestão", disse a consultoria Wise Capital, observando que o token agora estava sendo rotulado como uma farsa.
Segundo imagens transmitidas pela imprensa local, Milei havia publicado no X uma mensagem, fixada em seu perfil por mais de cinco horas, com um link para o projeto chamado "Viva La Libertad Project". "O mundo quer investir na Argentina. $LIBRA", dizia sua postagem com o nome do token, uma unidade de valor digital baseada na tecnologia blockchain sem valor em moeda real.
O token foi lançado em uma exchange de criptomoedas chamada Meteora, a mesma plataforma que lançou a moeda meme $Trump em janeiro, criptomoeda que teve rápido aumento e queda, na qual cerca de 200 mil carteiras perderam dinheiro.
O cofundador da Meteora, Ben Chow, disse em uma postagem no X, no sábado (15), que sua equipe "não esteve envolvida no lançamento, na criação de mercado ou na determinação do lançamento do $LIBRA", acrescentando que a empresa "nunca teve acesso aos tokens ou a Milei."
Chow acrescentou em uma postagem posterior nesta segunda que a empresa "não teve envolvimento no projeto além de fornecer suporte de TI, incluindo comentários sobre a curva de liquidez e ajudar a verificar a autenticidade do token após o lançamento público."
Deputados da oposição União pela Pátria (peronismo) anunciaram que pedirão o impeachment de Milei no Congresso; outras forças políticas pedem uma comissão investigadora e a interpelação do presidente.
Analistas disseram que é improvável que a oposição consiga os votos para avançar com o processo. No entanto, acusações de fraude e o envolvimento direto de Milei podem ser desafiadores, já que seu governo enfrenta eleições de meio de mandato este ano.
Uma investigação em andamento, acrescentaram os analistas, pode ser uma oportunidade política para a oposição que está tentando recuperar terreno em relação a Milei, que teve um forte primeiro ano.
Alguns investidores reagiram nas redes sociais durante o fim de semana com raiva, dizendo que foram enganados e perderam suas economias, enquanto os apoiadores de Milei o defenderam como vítima de ataques politicamente motivados.
"A promoção irresponsável de ativos coloca milhares de pessoas em risco", disse a ONG Bitcoin Argentina, uma organização educacional sem fins lucrativos local, durante o fim de semana. "Nos posicionamos contra esse fato e reafirmamos a importância da educação e transparência."
O próprio Milei reagiu às críticas.
"Aos ratos imundos da casta política que querem aproveitar esta situação para fazer mal, quero dizer que confirmam a cada dia o quão vis são os políticos, e isso aumenta nossa convicção de chutá-los para fora," disse Milei em uma postagem na sexta-feira, na qual também afirmou ter apagado sua postagem original.
Em entrevista ao canal Coffeezilla no YouTube publicada nesta segunda, o empresário Hayden Mark Davis, um dos quatro responsáveis pelo projeto da criptomoeda, negou que se tratasse de um golpe, mas admitiu que foram realizadas operações de compra com informações privilegiadas e que, por isso, agora tem cerca de US$ 110 milhões dos quais busca se desfazer.
"Não posso dizer que eu ou ninguém sabia, ou que Manuel ou Mauricio [empresários Mauricio Novelli e Manuel Godoy, da Tech Forum Argentina] não disseram a ninguém. Posso dizer que muito poucos sabiam. A questão dos insiders sempre me parece uma bobagem porque em qualquer meme as pessoas que se beneficiam são as que o criam. Os que mais se beneficiam ou os que mais perdem são sempre os que estão mais próximos", disse.
Com informações da AFP