Brasileira para de levar filho à escola nos EUA: 'Medo de nunca mais vê-lo'
UOL
As políticas de deportação de Donald Trump estão levando famílias a evitar enviar seus filhos para as escolas. Na região de Boston, Nova York e Chicago, o UOL coletou relatos de pais latino-americanos - inclusive brasileiros - que, sem saber como agir, estão optando por se esconder em casa.
"Não sabemos o que fazer. Tenho medo de mandar meu filho para a escola e nunca mais o vê-lo", disse uma brasileira moradora da cidade de Somerville, região de Boston. A seu pedido, seu nome foi preservado diante do temor em ser identificada.
A taxa de frequência de crianças nas escolas americanas - de cerca de 90% a cada dia - caiu para 85% nos dias seguintes à posse de Trump, de acordo com o Departamento de Educação.
O Migration Policy Institute estima que cerca de 733 mil crianças estrangeiras estão registradas em escolas pelos EUA sem documentos legais para ficar no país. Ainda que tenha sido no governo de Barack Obama que as deportações atingiram seu auge, o momento atual de tensão se dá por conta do discurso de ameaças e mudanças de regras do atual governo. Trump, assim que assumiu, admitiu que sua política de deportação incluiria "locais sensíveis", como igrejas e escolas. Em menos de uma semana, mil pessoas foram presas.
O medo entre mães se espalhou nesta semana depois que uma blitz na cidade de Marlborough, 40 minutos de Boston, resultou na prisão de vários estrangeiros entre a Rota 85 e Main Street.
Um brasileiro foi detido, deixando uma mulher grávida em casa com sua filha de três anos. Parte da comunidade brasileira se revoltou, acusando as autoridades locais de terem contribuído.
O governo do estado disse que não vai trabalhar com os agentes federais e garantiu que não teve informação sobre a blitz. Num gesto de aproximação, as autoridades planejam um encontro com a comunidade brasileira numa igreja para explicar a situação.
"O medo que era 80% agora é de 200%", disse Heloisa Maria Galvão, que comanda a Brazilian Women's Group. Segundo ela, a forma de proteção é saber os direitos, procurando as organizações brasileiras. "O que dá segurança não é se isolar. Ninguém solta a mão de ninguém", disse.
Informações sobre as crianças precisam de consentimento dos pais
Nos últimos dias, as autoridades de diversos estados têm enviado cartas aos distritos escolares dando garantias.
Numa delas, de 24 de janeiro e obtido pelo UOL, a procuradora-geral de Massachusetts Andrea Campbell escreveu para todas as escolas do estado explicando que os estabelecimentos de ensino estão "proibidos de fornecer, oralmente ou por escrito, informações de identificação pessoal de um aluno contidas em registros educacionais a terceiros, inclusive agentes do ICE, sem o consentimento específico e informado por escrito de um pai/responsável".
Também fica estabelecido que "se um agente do ICE solicitar acesso a um aluno, as escolas devem encaminhar o agente ao escritório central do distrito para garantir que o protocolo adequado seja seguido".
"A escola ou o distrito também deve notificar imediatamente os pais ou o responsável pelo aluno. No caso de um agente do ICE pedir para interrogar ou retirar um aluno da sala de aula, as escolas devem obter o consentimento específico e informado por escrito de um dos pais ou responsável ou receber um mandado judicial válido assinado por um juiz federal ou estadual", escreveu.
"Se o agente apresentar um mandado, o distrito escolar deve consultar imediatamente a assessoria jurídica da escola e analisar o mandado para confirmar que se trata de um mandado judicial e não administrativo e para determinar o escopo da autoridade de busca ou prisão que o mandado fornece", alertaram.
No coração de Manhattan, um dos locais que abriga imigrantes.- o Stewart Hotel - é a imagem do medo. Nesta semana, o UOL esteve no prédio durante os horários de escola. Mas se deparou com pelo menos duas dezenas de menores. "Ninguém que se arriscar", contou a equatoriana Sonia Castro, mãe de duas meninas. Ela vive há um ano sem documentos nos EUA. Mas seus filhos frequentam a escola desde que chegaram.
Ao seu lado, outra família centro-americana confirmava o temor. "Vamos ficar juntos", insistiu o pai, que pediu para não ser identificado.
As leis de Nova York proíbem a entrada de agentes de segurança nas escolas. Mas, ainda assim, também há medo. Marta Bustamante, coordenadora de uma rede de apoio a imigrantes, conta também que muito ainda depende da disposição da direção dos estabelecimentos de ensino em proteger os imigrantes.
Em um comunicado, a governadora democrata do estado, Kathy Hochul, insistiu que as escolas não podem se recusar a registrar os alunos com base em seu "status migratórios". A Suprema Corte americana também determinou que todos têm direito à educação gratuita.
Existem também casos de resistência. Em Chicago, escolas rejeitaram a entrada de agentes.
Numa declaração, as Escolas Públicas de Chicago alertaram que "embora o Distrito entenda que há uma ordem executiva para rescindir a linguagem sobre 'locais sensíveis', incluindo escolas", os funcionários do distrito se recusariam a "compartilhar informações privadas" com o ICE.
O superintendente das escolas públicas de Denver, Alex Marrero, emitiu orientações específicas este mês, aconselhando os funcionários das escolas a recusar a entrada de funcionários do governo que cheguem aos prédios escolares e que não tenham "negócios" ou um "compromisso" na escola.
Universidades alertam estudantes estrangeiros
Os problemas não se limitam às escolas. Depois da vitória de Donald Trump, nas eleições de novembro, universidades iniciaram uma preparação para o que poderia ser uma deportação de seus próprios estudantes e funcionários. Em novembro, todos eles receberam um email sugerindo que, depois das festas de Natal, retornassem aos EUA antes da posse do republicano.
Uma dessas universidades que enviou o email foi a de Massachusetts. Na Universidade Yale, um seminário virtual foi realizado com estudantes estrangeiros para que possam conhecer seus direitos.
Mais de 400 mil estudantes sem documentos estão nas universidades americanas, de acordo com o portal Higher Ed Immigration.