Ucrânia força corte no fornecimento de gás natural da Rússia à Europa por meio do território em guerra

02 de janeiro de 2025 às 08:27
Mundo

Unidade de armazenamento de gás da Gazprom, em Kasimov, na Rússia — Foto: Andrey Rudakov/Bloomberg

O Globo

"Desde as 8h [2h em Brasília], não foi mais fornecido gás russo por meio da Ucrânia", anunciou a russa Gazprom, maior empresa exportadora de gás natural do mundo, em um comunicado.

O gasoduto que atravessa a Ucrânia, construído na era soviética para transportar gás da Sibéria para os mercados europeus, é o último grande corredor de gás russo para a Europa desde a sabotagem do gasoduto Nord Stream para a Alemanha em 2022, possivelmente pela Ucrânia, e o fechamento de uma rota através da Bielorrússia para a Polônia.

A suspensão do fluxo foi descrita por especialistas como parte de uma campanha mais ampla de Kiev e de seus aliados ocidentais para prejudicar o financiamento do esforço de guerra de Moscou e limitar sua capacidade de usar energia como método de barganha com a Europa. No início de dezembro, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, chegou a afirmar que seu país não permitiria que a Rússia “ganhasse bilhões” ao custo de sangue ucraniano, enquanto o governo polonês classificou ontem o corte como “outra vitória” contra Moscou.

"Interrompemos o trânsito do gás russo... é um acontecimento histórico. A Rússia perde mercados e sofrerá perdas financeiras", disse o ministro da Energia ucraniano, Guerman Galushchenko, citado em comunicado.

Riscos para Kiev

Embora a medida possa reduzir o rendimento russo com a venda do gás, também traz riscos para a Ucrânia. Analistas militares disseram que Moscou poderia decidir bombardear a vasta rede de dutos ucranianos, que amplamente poupou desde o início da invasão, há quase três anos, agora que tem pouco incentivo em mantê-la ilesa.

Além disso, a Eslováquia, um dos países da UE que mais dependem do gás russo, ameaçou — assim que Zelensky anunciou que planejava fechar o duto — cortar o fornecimento de eletricidade que faz à Ucrânia pelos danos provocados pelos bombardeios russos à infraestrutura energética do país. Como principal ponto de entrada do gás russo na UE, a Eslováquia recebia taxas de trânsito pelo transporte do gás para a Áustria, Hungria e Itália. O primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, viajou a Moscou para discutir a situação com o presidente russo, Vladimir Putin.

Como a expiração do contrato era prevista e os países europeus já haviam reduzido o consumo de gás russo em resposta ao conflito, os volumes pela rota via Ucrânia caíram para cerca de um quarto dos níveis pré-guerra, e não há expectativa de que afetem os preços imediatamente, disseram analistas. Atualmente, o gás fornecido via Ucrânia representa só 5% dos 10 bilhões de metros cúbicos que a UE importa do exterior. Em 2023, a Rússia era responsável por 10% das importações totais do bloco. O percentual demonstra uma redução da dependência de Moscou pela UE, que em 2021 importava 40% de todo o gás do país.

"A Comissão (Europeia) tem trabalhado mais de um ano se preparando para um cenário sem o gás russo que transita pela Ucrânia", disse um comunicado do bloco na terça-feira.

Além da Eslováquia, Hungria, Áustria e várias nações dos Bálcãs ainda usavam gás russo distribuído por meio da Ucrânia, mas especialistas dizem que estoques do produto e fornecimentos alternativos devem evitar quaisquer cortes imediatos de eletricidade e de calefação nesses países.

O gás russo ainda é fornecido ao continente por meio de gasodutos submarinos, conhecidos como "TurkStream", que cortam o Mar Negro. O combustível é enviado para países como Sérvia, Turquia e integrantes da UE, como Bulgária e Hungria. Países do bloco também importam gás natural liquefeito (GNL) em navios-tanque.

Mais vulnerável

A Moldávia, que não faz parte da UE, tem a situação mais vulnerável. O país declarou 60 dias de emergência ainda em dezembro, em meio aos temores de que o fim do fornecimento via Ucrânia colocaria em risco uma usina termelétrica na região separatista da Transnístria, que fornece dois terços da luz consumida no país. Faixa de território próximo à Ucrânia, a região, com o apoio de Moscou, declarou-se um microestado independente após o colapso da URSS.

Nesta semana, a Gazprom advertiu a Moldávia que interromperia todo o fornecimento em 1º de janeiro mesmo que o duto via Ucrânia continuasse operacional, citando uma antiga disputa por contas não pagas.

— O Kremlin recorre novamente à chantagem energética para influenciar as eleições legislativas de 2025 e minar nosso caminho europeu — disse a presidente da Moldávia, Maia Sandu.

A companhia de energia Tirasteploenergo, que atua na região separatista, disse a seus clientes nesta quarta-feira que interromperia o fornecimento de gás para calefação de residências nas cidades, vilas e vilarejos. A companhia vai distribuir gás para cozinhas "até que a pressão na rede caia para um nível crítico", disse em um comunicado no Telegram.

A Tirasteploenergo recomendou aos moradores da região que se vestissem bem, reunissem os familiares em um único cômodo, pendurassem cobertores ou cortinas grossas nas janelas e usassem aquecedores elétricos. A previsão era de que a temperatura caísse abaixo de 0°C na quarta-feira à noite, segundo a rede britânica.