Moro, Deltan e suíços agiram fora de canais oficiais contra multinacional

04 de dezembro de 2024 às 08:29
Mundo

Foto: Reprodução

UOL

Mensagens entre procuradores brasileiros, suíços e o ex-juiz e senador Sérgio Moro revelam a troca informal de dados sobre uma multinacional acusada de suborno no mercado internacional de commodities, a Trafigura, e um de seus diretores.

O intercâmbio de informação ocorreu fora dos canais oficiais entre as autoridades. Os chats fazem parte dos arquivos apreendidos pela Polícia Federal durante a operação Spoofing, que investigou o hackeamento de procuradores e também do ex-juiz Sérgio Moro no caso que ficou conhecido como Vaza Jato.

Nesta semana, a Justiça na Suíça iniciou o julgamento da Trafigura, a primeira empresa multinacional acusada criminalmente de subornar um funcionário público estrangeiro, com supostos pagamentos totalizando cerca de US$ 5 milhões. O caso envolve o suborno para garantir contratos no setor de petróleo em Angola e escancara a relação entre empresas de commodities e a exploração de recursos naturais em países em desenvolvimento.

No centro do caso está o ex-diretor de operações Mike Wainwright e outros três diretores, acusados pelo suposto esquema de corrupção que vigorou de 2009 a 2011. O julgamento deve ir até o dia 20 de dezembro e pode marcar um ponto de inflexão na atuação das autoridades suíças contra empresas sediadas no país.

O caso que hoje chega às cortes, porém, começou há quase uma década e, em troca de mensagens obtidas com exclusividade pelo UOL, autoridades usaram canais extraoficiais para repassar informações e suspeitas sobre a atuação da empresa e seus diretores.

Num grupo de troca de mensagens, procuradores suíços e brasileiros mantinham uma comunicação intensa sobre cada etapa do processo da Operação Lava Jato. As conversas aconteceram por mais de três anos pelo aplicativo Telegram e não eram registradas oficialmente.

Um dos focos da apuração passou a ser a empresa com sede na Suíça, a Trafigura.

Em 23 de outubro de 2015, o tema foi alvo de uma reunião na embaixada suíça em Brasília. No encontro, um adido do governo de Berna identificado apenas como Marco explica que "as autoridades suíças receberam várias denúncias sobre a Trafigura, que é gigante na compra e venda de Petróleo (inclusive vendeu para a Petrobras), e é suspeita em vários delitos, como corrupção e venda de lixo ilegal".

"Todavia, até agora não conseguiram nenhuma prova efetiva em relação à empresa", diz.

Nas notas tomadas da reunião, pode-se ler que:

Os suíços têm interesse em descobrir se havia relações comerciais, de que tipo e com que frequência, entre

A) Petrobras e Tsakos Energy Navigation Ltd. (que tem como empresas "filhas", subsidiárias: Elene Ltd., Spondi Ltd. e Brasil 2014 Special Maritime Enterprise);

B) Petrobras e Trafigura. O interesse deles é identificar possíveis causas de pagamento de propina e responder à questão do porque haveria pagamento de propina da Tsakos e Trafigura para a Petrobras. Querem, também, descobrir quem acordou os pagamentos.

O documento traz uma "tarefa":

Pedir todos os contratos entre Tsakos (Elene, Spondi e Brasil 2014) e Petrobras. Bem como entre Trafigura e Petrobras. Além disso, identificaram MARIANO MARCONDES FERRAZ, que foi nomeado em 04/14 por PAULO ROBERTO COSTA. MARIANO tem contas na Suíça e fez pagamentos para a Trafigura e GUSTAVO COSTA. Querem saber porque a Trafigura utilizou contas de MARIANO FERRAZ.

Arquivos enviados pelo Telegram

Em 16 de janeiro de 2016, os procuradores brasileiros enviam tanto para Marco, na embaixada da Suíça, quanto aos procuradores suíços, por telefone e fora dos canais oficiais, o que descobriram sobre a relação entre a Petrobras e a Trafigura. "Os arquivos são grandes", alertaram os brasileiros.

No dia 8 de abril de 2016, é a vez do ex-procurador suíço Stefan Lenz escrever extensamente por Telegram aos procuradores brasileiros. Na conversa, ele revela que está "prestes a pedir a prisão (de Marcondes) ao juiz". Mas admite que existe uma dúvida se o suspeito estava atuando em nome da Trafigura ou de uma empresa italiana, a Decal.

Mais uma vez, a troca de informação ocorre fora dos canais oficiais. No texto, ele afirma que está "pronto para atuar em coordenação" com os brasileiros. A mensagem ainda traz detalhes de transferências. Mas um reconhecimento de que "não seria fácil" determinar em nome de quem ele estava fazendo os pagamentos.

Em 25 de outubro de 2016, o ex-procurador Deltan Dallagnol informou ao então juiz Sérgio Moro que Marcondes estaria viajando ao Brasil e revela que pretendia prender o executivo. Na conversa, mais uma vez fora dos canais oficiais, o ex-procurador antecipa a Moro a base do pedido de prisão.

Escreveu Deltan a Moro:

Caro, precisamos de uma reunião urgente, antes ou logo após o almoço. Assunto: Mariano Marcondes Ferraz da Trafigura está no Brasil, embora more em Londres e quase nunca venha ao Brasil depois que ficaram públicos os relatos contra ele.

Na mensagem, Deltan antecipa que existem pagamento de suas contas. Para o ex-procurador, a visita seria uma "questão de oportunidade". De acordo com Deltan, seria "alguém que será difícil de alcançar se fizermos operação com ele fora do Brasil". "Amanhã ele sai do Brasil via Guarulhos", disse.

A reunião com Moro ficou estabelecida para a tarde daquele dia e, menos de 24 horas depois, sua prisão preventiva foi determinada.

Já no dia 27, Moro volta aos aplicativo do celular e pergunta para Deltan:

"Descobriu algo sobre a demora de remessa de contas da Suíça para cá?"