Na longa lista de temas que dividem os países do G20, integridade da informação digital e Inteligência Artificial (IA) certamente estão entre eles. Esta é seara sensível, afetada diretamente pela complicada geopolítica internacional. Ontem, depois de aparar muitas arestas, as 19 maiores economias do mundo, mais União Europeia (UE) e União Africana conseguiram chegar a um denominador comum. Em declaração conjunta, negociada e endossada por todos, pediram transparência e responsabilidade para as plataformas digitais.
Não há medidas específicas para obrigá-las a manterem-se na linha. Talvez fosse impossível inclui-la dadas das diferenças entre as nações e suas legislações. A grande vitória do documento divulgado após dois dias de reuniões de ministros do Grupo de Trabalho (T) da economia digital, em Maceió, está no consenso em si. O palavreado pode ser mais ou menos ousado, a depender de quem estiver lendo. Mas esta foi a primeira vez que países com interesses tão distintos como Estados Unidos, Rússia, China e Reino Unido, sentaram-se à mesa para tratar do tema, que, aliás, também é inédito na agenda do G20. Foi trazido pela presidência pro tempore do Brasil.
— Embora os pontos de partida fossem muito diferentes, o ponto de chegada foi texto acordado por consenso, o primeiro texto desta amplitude geopolítica acordado internacionalmente para este tema — disse ao GLOBO o secretário de Política Digitais da Secretaria Comunicação da Presidência da República, João Brant.
O documento também trata da dimensão normativa de um eco sistema informacional “diverso e resiliente”, o que pode parecer genérico demais à primeira vista. Mas o uso destas duas palavras tem significa mais forte para uns países do que para outros.
— Se a gente for pensar que países como Arábia Saudita e China toparam falar em sistema diverso, não é pouco — afirma um negociador.
Ainda que não se comprometam com punições ou restrições às plataformas na declaração em si, o G20 publicou com a declaração um anexo, também negociado e aprovado por todos, com as diretrizes para se lidar com elas. São cinco eixos concretos de ações que Estados podem adotar para promover a integridade da informação. Vão de educação midiática, investimento em ciência e tecnologia à avaliação de governança no tema combinando regulação e auto-regulação.
—O recado está dado. É o de que é preciso trabalhar com as plataformas, mas também com todos os outros segmentos da sociedade — diz Brant.
As reuniões aconteceram em meio aos desdobramentos da queda de braço que vem sendo travada entre o X, do bilionário Elon Musk, e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que determinou a transferência para os cofres da União de R$ 18,3 milhões que estavam bloqueados em contas do X e da Starlink no Brasil. No mesmo dia, Musk chamou o governo australiano de "fascista" por causa de novas leis propostas no país para reprimir a desinformação digital, especialmente em redes sociais, com multas de até 5% da receita anual para empresas, proposta que ainda precisa de aprovação do parlamento.
Para a surpresa da presidência brasileira do G20, nenhum dos delegados presentes mencionou o assunto. A leitura de negociadores é a de que "o silêncio é eloquente e reflete a preocupação do mundo ocidental com a postura das plataformas.
— Não foi uma questão, nem influenciou humores. Ao contrário, houve grande apoio dos mais diversos países à essa agenda de integridade da informação nos termos propostos pelo Brasil — garante Brant.
“A digitalização do domínio da informação e a evolução acelerada de novas tecnologias, como a inteligência artificial, tiveram um impacto dramático na velocidade, na escala e no alcance da desinformação, do discurso de ódio e de outras formas de danos online, um fenômeno exacerbado por uma variedade de incentivos econômicos no domínio digital”, diz o texto.
A declaração ainda prevê um acordo internacional sobre como medir a chamada conectividade significativa e sobre como aprimorar os compartilhamentos de dados de governos digitais a partir das melhores práticas e experiências. Sobre Inteligência Artificial (IA), em especial, aponta a necessidade da colaboração internacional para que países em desenvolvimento possam ter condições de construir infraestruturas próprias e criar seus próprios sistemas de IA.
O G20 ainda ressaltou seu compromisso com o desenvolvimento de IA com diversidade linguística, social, cultural e territorial para enfrentar todo tipo de viés pré-concebido e promover a democratização dos benefícios econômicos da tecnologia, que, concordam, oferece riscos e potenciais impactos negativos se não for concebida de maneira segura, ética e confiável.
O que está na declaração ministerial não constará necessariamente do comunicado final dos chefes de Estado e de governo do G20, que será anunciado após a reunião de cúpula nos dias 18 e 19 novembro, no Rio de Janeiro. O texto ainda está sendo negociado e também precisa de consenso.