Vivi para contar: Venezuela prende inocentes para espalhar medo, diz mãe de jovem com problemas cerebrais detido há um mês

02 de setembro de 2024 às 09:39
Mundo

Foto: Reprodução

O Globo

A Polícia Nacional Bolivariana já detia gente inocente. Prendem qualquer um, apenas por passar por uma rua onde houve um protesto. Meu filho é uma dessas pessoas, um preso político que não milita, nunca foi a um protesto e sequer votou nas eleições presidenciais de 28 de julho. Foi acusado de terrorismo, uma loucura!

Emanuel é um rapaz com uma doença delicada, sofre convulsões, tem asma desde pequeno, precisa tomar remédios e se alimentar bem. Minha família teve de pagar US$ 5 para lhe fazer uma única visita, em 26 de agosto. Ele estava com febre há cinco dias, sem tomar remédio algum e sem atendimento médico.

Nossos filhos estão sequestrados na Venezuela. Hoje não sabemos onde ele está, não podemos mais ter contato, não temos direito a um advogado e tememos por sua vida. As mães que estão nas portas das prisões se ajoelham pedindo informação, é um verdadeiro pesadelo.

Pensei muitas vezes em voltar para a Venezuela, mas minha família me diz que não faz sentido, que vou correr riscos e não vou conseguir nada. Nunca passamos por nada parecido. Somos pessoas de bem, trabalhadores, nunca roubamos apesar de todas as dificuldades que passamos. Somos o povo que [o então presidente Hugo] Chávez dizia defender, e nós acreditamos nele. Mas tudo mudou. Hoje o povo está sendo castigado e está abandonando a Venezuela.

Estou muito preocupada, há quase um mês praticamente não durmo, porque meu filho está isolado, submetido a audiências coletivas com juízes que aparecem numa TV, sem alguém que o defenda. Disseram para eles que seriam submetidos a uma investigação durante 45 dias, ele disse para minha irmã que sairiam rápido. Mas era tudo mentira. Nada do que está acontecendo faz sentido, estão prendendo inocentes para assustar as pessoas, para amedrontar principalmente os jovens, que são os que poderiam mudar nosso país.

Todo o procedimento a que submetem as pessoas detidas após a eleição é totalmente irregular. Todos foram acusados de terrorismo, sem prova alguma. Emanuel nunca se meteu em política e muito menos enfrentaria os agentes da Polícia Nacional Bolivariana, como diz sua ficha. Estão sequestrando jovens como meu filho para encher as prisões, criar um clima de pânico, e o que estão conseguindo é que milhares de venezuelanos fujam, não só da miséria na qual vivem, mas da repressão descontrolada.

Nossos filhos estão empilhados em cárceres, dormindo em pé, sem acesso a médicos, e não sabemos se são alimentados e bem tratados. Não sabemos nada. O caso de Emanuel é complicado porque ele pode ter convulsões, pode ter algo grave. Choro todos os dias pensando nessa possibilidade, me desespero. Meu filho é meu maior tesouro, eu o criei sozinha, apenas com a ajuda de minha mãe, não tenho mais nada nesta vida.

Nos últimos anos, minha família perdeu entes queridos pela falta de atendimento médico. Tenho uma irmã com câncer que teve de pagar para fazer radioterapia, nosso país está destruído. Não resta mais nada. Vivemos na pobreza, ganhando salários que não cobrem nossas necessidades básicas, e acabamos sendo expulsos porque não nos resta outra alternativa. Eu saí pela primeira vez da Venezuela porque preciso cuidar do meu filho.

Agora ele está preso em algum lugar que não sabemos, sozinho, sem comunicação com sua família. Até quando vamos suportar isso? O país está acabando, foi esvaziado, e agora querem acabar com uma geração inteira.

Meu filho não é nenhum terrorista, nem criminoso. Além de seus problemas neurológicos, ele tem a visão limitada, deve estar sofrendo muito, não posso nem imaginar. Passo o dia grudada no celular esperando notícias. Enquanto não soubermos onde ele está, não podemos fazer mais nada. Estamos na escuridão absoluta. É muito assustador. A última coisa que ele me escreveu foi que estava com saudades. Estávamos sempre falando sobre o momento em que poderíamos voltar a estar juntos. Vou lutar por sua liberdade até o fim porque este pesadelo tem de acabar. O Estado tem de devolver nossos filhos.

Minha sensação é de que a Venezuela vai ficar vazia. O país que todos amamos tanto, mas que hoje obriga seu povo a emigrar. Todos os que puderem irão embora.”

*Em depoimento a Janaína Figueiredo