Guerra no círculo íntimo de poder de Milei gera tensão na Casa Rosada
O Globo
O novo conflito no governo argentino se soma a outro que existe desde o primeiro dia de gestão de Milei, entre o presidente e sua vice, Victoria Villarruel, vista com desconfiança pelo chefe de Estado e por Karina. A relação entre ambos é bastante similar a que tiveram o ex-presidente Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner. Não existe praticamente diálogo, e Milei e Villarruel atuam como se não pertencessem ao mesmo governo. Mas há uma diferença crucial: a vice atual não tem o poder de Cristina, e a única coisa que consegue com suas jogadas contra o presidente é incomodar um pouco. Villarruel é novata em política, claramente tem um projeto próprio — razão que explica a desconfiança dos irmãos Milei — e, se depender do presidente, não chegará muito longe.
A briga entre o presidente e a vice está sob controle e não representa qualquer ameaça para Milei. Já a disputa entre Karina e Caputo tem uma dimensão maior, e poderia implicar custos mais elevados. Os dois principais assessores do presidente chegaram ao ponto de trocar farpas através de suas redes sociais, nas quais, entre outras coisas, se chamaram mutuamente de “soberbos”.
— Os dois estão construindo uma estrutura de poder e o crescimento de Caputo incomoda Karina. A falta de experiência política deste governo fica evidente quando os dois principais assessores do presidente não conseguem esconder uma tensão interna, expondo, assim, uma fragilidade institucional — comenta o jornalista Julián Alvez, do jornal “El Cronista”, que cobre diariamente os movimentos na Casa Rosada.
Nos últimos meses, Caputo desembarcou com seus colaboradores em organismos do Estado como a Agência Federal de Inteligência (AFI), a AFIP (Receita Federal local), e a companhia estatal de petróleo YPF, entre outras áreas do governo. Sempre com o aval do presidente, o estrategista, grande artífice da vitória eleitoral de 2023, conseguiu a nomeação de funcionários amigos, e, assim, acesso aos recursos econômicos administrados por cada um dos organismos que passou a, indiretamente, controlar.
O caso da AFI é um dos mais importantes. Caputo convenceu Milei a ampliar o montante de recursos “reservados” (leia-se que podem ser gastos sem controle algum), iniciativa que deverá passar pelo Congresso. O partido do presidente, A Liberdade Avança, tem bancadas minoritárias na Câmara e no Senado, o que torna cada votação um desafio. Segundo analistas locais, hoje o resultado da votação sobre o orçamento secreto da AFI é incerto, e uma eventual derrota enfraqueceria não apenas Caputo, mas o próprio Milei. Este panorama acentuou a irritação de Karina, que, na disputa, sempre será a mais protegida pelo presidente.
— O conflito entre Karina e Caputo é preocupante, porque poderia abrir a porta para uma crise maior. Ele mostra um governo dividido, e profundamente improvisado — explica Juan Negri, da Universidade Di Tella.
A fragilidade institucional do governo Milei, algo que preocupa analistas desde o começo do governo, continua sendo um calcanhar de Aquiles para o presidente. Seu governo não apenas enfrenta permanentes dificuldades num Parlamento controlado por aliados circunstanciais e opositores, mas, também, dificuldades internas que, num cenário nacional mais complexo, poderia ser fatais.
— A economia está mais estável, mas muitos problemas continuam sem serem resolvidos. Se Milei não conseguir melhorar de forma consistem a situação econômica, os problemas podem aumentar. Nesse caso, um governo dominado por tensões internas seria catastrófico — frisa Negri.
O poder de Karina Milei é, assegura o jornalista e escritor Juan Luis González, biógrafo não autorizado do presidente, “impossível de ser desafiado”. As jogadas de Caputo, acrescentou o escritor, “estão fadadas ao fracasso”.
— Até a chegada de Caputo, a irmã do presidente estava acostumada a ter empregados. Com Caputo selou uma sociedade por conveniência. Mas com os irmãos Milei é sempre assim, quando alguém cresce, passa a ser visto como ameaça e rapidamente é excluído — aponta González.
O biógrafo do presidente lembra que Milei brigou com um dos poucos amigos que teve nos últimos anos —talvez na vida —, o economista Diego Giacomini, em nome de seu projeto político.
— Karina e Javier são pessoas muito solitárias, e com grandes ambições. Para quem observou seus movimentos nos últimos anos, é impressionante ver como pessoas que eram muito próxima de ambos foram ejetadas das estruturas de poder por desconfiança. Ambos são paranóicos — frisa González.
O biógrafo do presidente se faz a mesma pergunta que muitos analistas: como fará o governo de Milei se tiver de enfrentar uma crise mais severa, como tantas que já assolaram a Argentina nas últimas décadas? Uma pergunta sem resposta, que gera temores cada vez maiores no país.