Treinadora de alagoanas diz que o pódio as espera em Paris

08 de agosto de 2024 às 09:23
Olimpíadas 2024

Camila Ferezin — Foto: Ricardo Bufolin / CBG

O Globo

Foram anos de construção para chegar a este momento em Paris-2024, praticamente uma vida dedicada à ginástica rítmica. Fui a Sydney-2000 como atleta. Na edição de Atenas-2004, era auxiliar de Bárbara Laffranchi. E, nos Jogos do Rio-2016 e de Tóquio-2020, já treinava o conjunto. Agora, sim, na minha quinta Olimpíada, chegamos aonde sonhei. É que, em Paris, o Brasil de fato briga por uma medalha inédita. O melhor resultado do país em Jogos Olímpicos continua sendo o da minha época: em Sydney e em Atenas, o conjunto foi finalista e terminou em oitavo.

Logo após Atenas-2004, iniciei meu próprio trabalho, com um grupo de crianças na Unopar. Foi o primeiro e único como treinadora de base. Elas foram campeãs brasileiras no conjunto e no individual. E sete anos após o Brasil ficar em 26° lugar no Campeonato Mundial e correr o risco de não disputar os Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, em 2011, fui convidada para ser técnica da seleção principal.

Em 2010, assumi o cargo temporariamente. No ano seguinte, já efetivada, me mudei de Londrina (PR) para Aracaju (SE). Iniciei o trabalho do zero. Na comissão técnica, tinha apenas uma técnica búlgara e uma professora de balé.

Pessoalmente, eu também vivia uma fase complicada e, para essa mudança, precisaria ficar afastada do meu filho, João Lucas. Essa parte foi a mais difícil. Perdi muitas de suas conquistas. Sei que sentirei a vida toda, mas essa foi uma escolha nossa. Ele me incentivou a aceitar o desafio, e isso foi determinante. Após quatro meses de insistência da presidente da Confederação Brasileira de Ginástica, Luciene Resende, ele falou: “Você será a treinadora da nossa nação, tem de aceitar”.

Esse foi um período de mudanças, na vida pessoal e na profissional, e de muito trabalho, incontáveis horas no ginásio e diversas viagens. Para nós, mulheres, conciliar maternidade e carreira apresenta desafios mais complexos, levando-nos frequentemente a carregar um sentimento de culpa.

Transformação no ‘feeling’

Achei que levaria três meses para resolver a questão primordial da época. Permaneço até hoje. Realmente, queria que meu filho fosse morar comigo, mas não foi o desejo dele. Todos os meses, eu viajava para Londrina e ele, para Aracaju. À época, ele tinha 12 anos; hoje, tem 25.

Por conta disso, quis fazer diferente com Maria Clara. Quando João Lucas nasceu, eu era ginasta. Agora, como treinadora e mais madura, não abro mão da companhia da minha filha. Cacaia viaja comigo para onde vou. Foi assim quando bebê e até ter uns 2 anos. Ela tinha um quartinho no nosso ginásio, e eu a amamentava durante os treinos... Ela aprendeu a andar na Copa do Mundo de Portimão.

Depois, quando começou a ir à escola, não foi simples. Mas temos uma combinação de que não fico longe dela por mais de 15 dias. Agora, com 9 anos, ela é ginasta. Aonde vou, arrumo estágio de treinamento para ela. Ela terá o primeiro torneio importante após a Olimpíada. Imagina o meu coração!

Quando aceitei coordenar a seleção brasileira, segui meu feeling. A primeira coisa que fiz foi renovar o grupo. Este trabalho se estendeu até a Rio-2016. Foi um ciclo de aprendizagem para então iniciar uma nova etapa, com uma nova geração de ginastas. São essas as meninas que chegam no auge a Paris.

Lá em 2011, o Brasil corria o risco de não disputar o Pan de Guadalajara. Mas, só com um mês de trabalho, ficamos em segundo lugar no Campeonato Pan-Americano da nossa modalidade de 2010. Esse resultado nos garantiu em 2011, quando surpreendemos. O conjunto ganhou as três provas, e fomos tetracampeãs.

Também formei uma comissão técnica com doutores em suas áreas, que trabalham em universidades, trazem dados científicos e, assim como eu, amam a ginástica. São cerca de 20 profissionais, entre psicólogos, nutricionista, fisioterapeuta e fisiologista. Temos ainda parceria com árbitros de nível internacional para avaliações. Ter formado esse time me deixa orgulhosa.

Renovação de meta

Além disso, contamos com uma seleção permanente, cujas atletas estão juntas há dois ciclos olímpicos — algo que Espanha, Rússia e Itália sempre conseguiam, mas, no Brasil, nenhum grupo se repetiu integralmente. Nem sempre elas estavam dispostas a investir no esporte por mais de um ciclo... Ou, quando parte permanecia, a outra, não. Em Tóquio-2020, essas meninas formaram a equipe mais jovem dos Jogos. Hoje, estão no auge, em uma mesma fase. Esse era um sonho.

Moramos todos no mesmo prédio (há ainda seleções de outras categorias). Ou seja, elas convivem entre si. Como saem cedo de casa, assumimos outras funções, como de educadora e “segunda mãe”. Temos conversas de todos os tipos, vamos à praia, fazemos festas de aniversário, jantares, mas também ações sociais e encontros para rezar e agradecer. Como uma família. Mas separamos bem: no ginásio, batalhamos muito. Fora dele, são elas que me procuram. Não avanço o sinal.

Tudo isso foi construído nos detalhes. Na minha época, não tinha collant com cristal Swarovski. Usávamos com lantejoulas. Pode parecer bobeira, mas não é. As russas entravam com aqueles collants cheios de cristais. E a gente sem disputar etapas da Copa do Mundo... Era intimidador. As perninhas tremiam. Hoje, temos calendário de competições completo, e nossos collants são cheios de cristais maravilhosos e pensados segundo a música e a coreografia. Tudo se profissionalizou.

Estamos vivendo o que sempre sonhamos. Era uma utopia conquistar medalha no concurso geral numa Copa do Mundo (junção das séries mista e cinco arcos). Em 15 anos de carreira, não consegui. Ficava lá atrás.

Hoje, brigamos entre as melhores. Fomos top 5 no Mundial de 2022 e sextas no de 2023. Nesses eventos, ficamos em quarto na coreografia dos cinco arcos. Também no concurso geral, o que vale na Olimpíada, conquistamos a prata na Copa do Mundo da Grécia, no ano passado, e na Copa do Mundo de Portugal, em junho. Na etapa da Romênia, em 2023, fomos bronze, com ouro na prova mista e prata nos cinco arcos. A lista de conquistas é grande, e recentemente fomos vice-campeãs na Itália, a última etapa da Copa do Mundo antes de Paris. Apenas 0,1 ponto atrás da China...

Dentre as conquistas, tive uma surpresa: fui eleita a melhor treinadora de 2023 pelo Comitê Olímpico do Brasil. A segunda da História (Rosicleia Campos, do judô, ganhou em 2011). Isso, nunca sonhei. Com tantos treinadores fantásticos, uma da ginástica rítmica ganharia? Por muitos anos, nas reuniões do COB, eu falava que nossa meta era o top 5. Chegamos. E agora? Bom, agora, o pódio olímpico nos espera.