Companhias aéreas acumulam processos na Justiça por morte de animais transportados em porão de aeronaves
Por redação com O Globo
O caso do cachorro Joca, um golden retriever que morreu na última segunda-feira (22) após embarcar do Aeroporto de Guarulhos em um voo da Gol, não é inédito no país e companhias aéreas acumulam condenações judiciais por situações semelhantes.
A Justiça geralmente manda as cias pagarem indenizações por danos morais e materiais, em valores que variam de R$ 5 mil R$ 10 mil.
Em 2021, o cachorro Weiser, da raça american bully, morreu em um voo da Latam. Ele foi transportado em uma caixa de madeira por volta das 8h no Aeroporto de Guarulhos, de onde decolaria para Aracaju às 12h30. Durante todo esse período, o cachorro não teve acesso a água e comida nem pôde sair para fazer necessidades. Seu tutor, o engenheiro civil Giuliano Conte, chegou em Aracaju e recebeu a notícia de que seu cão tinha morrido na viagem, feita no porão da aeronave.
No processo, Giuliano alegou que o cachorro estava acostumado a viajar de avião, inclusive pela Latam, e sempre era acomodado em uma caixa de acrílico, mas dessa vez a empresa não autorizou a caixa desse material. Já a cia aérea alegou que não cometeu qualquer falha durante o transporte e que ocorreu uma “fatalidade em razão das características naturais da raça do cão”.
Ao julgar o caso em setembro de 2023, a juíza Carolina Bertholazzi considerou que o laudo médico evidenciou que foi encontrado no estômago do animal fragmentos de madeira da caixa em que ele foi transportado. “A ré responsável, assim, pelo óbito do animal de estimação dos autores. Ela não demonstrou ter adotado todas medidas necessárias ao transporte e entrega do cão em perfeito estado, prevalecendo sua responsabilidade objetiva”, destacou a magistrada, que fixou o pagamento de danos materiais em R$ 2.097,36 e de danos morais em R$ 10 mil. Houve recurso, que ainda não foi julgado.
Em outro caso semelhante, que também ocorreu em 2021, o filhote de golden retriever Zyon morreu durante um voo da Latam entre Guarulhos e Rio de Janeiro. A tutora Gabriela Duque levou o cachorro, que tinha dois meses e quatro dias de vida, para o aeroporto de Guarulhos que decolou às 13h e pousou no Rio às 13h52. Entretanto, a dona só conseguiu ter acesso ao cão às 15h30, e nesse período o cachorro teria ficado em algum lugar do aeroporto exposto ao sol e sem assistência, segundo Gabriela. Quando ela viu Zyon, percebeu que ele tinha dificuldades para respirar e não respondia aos estímulos. O animal foi levado a um veterinário, e às 23h veio a óbito. A cia aérea negou qualquer falha no serviço.
“A companhia aérea não demonstrou as condições e o local em que o animal se encontrava durante o período prévio à entrega, que durou mais de 1 hora e 30 minutos. É é responsável, assim, pelas péssimas condições em que o filhote foi entregue, tanto que internado no mesmo dia, com resultado morte. Não demonstrou ter adotado todas medidas necessárias ao transporte e entrega do cão em perfeito estado, prevalecendo sua responsabilidade”, destacou a juíza Adriana Cristina Paganini Dias Sarti, da 4ª Vara Cível de São Paulo, ao julgar o caso em setembro de 2022. Foi fixada indenização por danos morais no valor de R$ 8 mil. Não houve recurso.
Em 2015, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) condenou a Varig a pagar R$ 6 mil em danos morais porque um cachorro da raça buldogue inglês morreu durante uma viagem no porão da aeronave, quando viajava de São Paulo para a Paraíba. O cão tinha dez anos e tinha atestado do veterinário permitindo viagens frequentes, já que ela era um cachorro que participava de torneios da raça e ia para a Paraíba para cruzar com uma fêmea da mesma raça.
Mas nem sempre os danos morais são reconhecidos. Um caso de morte de animais em aviões ocorreu em dezembro de 2019. quando o analista de relações internacionais David Canuto viajou com o seu cachorro Tom de Guarulhos para Vitória (ES). O cachorro foi transportado no porão da aeronave. Quando David chegou à Vitória, esperou mais de 40 minutos para encontrar seu cachorro, quando uma funcionária lhe informou que o cão havia chegado ao destino sem sinais vitais. Segundo o laudo necroscópico, a causa da morte foi hipertermia (excesso de calor).
O tutor processou a companhia aérea, mas a Justiça só o indenizou por danos materiais, no valor de R$ 2.225,00, para custear o sepultamento e o transporte aéreo. A juíza Juliana Nobre Correia, da 2ª Vara do Juizado Especial Cível de São Paulo, considerou que não houve dano moral porque “os animais de estimação são bens móveis semoventes suscetíveis de apropriação e, com valor econômico, razão pela qual não são detentores de direitos da personalidade, sendo que a angústia ou tristeza em razão da perda do animal de estimação, ainda que pela modalidade reflexa, não atinge atributos essenciais da esfera existencial do ser humano”.
A Gol informou não fará comentários sobre o caso em que foi condenada judicialmente, e em relação ao caso Joca, disse que “se solidariza com o sofrimento do tutor do Joca e de sua família” e explicou que “o cão deveria ter seguido para Sinop (MT) no dia 22/04/2024, a partir de Guarulhos (GRU), porém, por uma falha operacional o animal foi embarcado em um voo para Fortaleza (FOR)”. A empresa informou que está oferecendo “todo o suporte necessário ao tutor e sua família” e suspendeu por 30 dias a venda do serviço de transporte de cães e gatos nos porões dos aviões. Apenas o serviço para clientes que levam seus pets (de até 10 quilos) na cabine do avião está mantido.
A Latam disse, em nota, que "em 2021 suspendeu por dois meses a venda de transportes de pets para aprimorar a sua política e implementar novas restrições e protocolos para a prestação deste serviço" e que, em 2024, "suspendeu a exigência de peso máximo de até sete quilos para animais na cabine dos aviões" e que todos os pets "podem embarcar na cabine desde que consigam ficar em pé e se movimentar naturalmente sem tocar as paredes ou o teto de uma bolsa ou caixa de transporte com até 25 cm de altura, 28 cm de largura e 40 cm de comprimento".