Parar de fumar reduz bastante a pressão de hipertensos em apenas 12 semanas
Se você pegar qualquer diretriz do planeta para o tratamento de hipertensão, não vai encontrar uma linhazinha sequer afirmando que, para diminuir a pressão arterial, seria preciso parar de fumar. Uma diretriz é o documento que orienta os médicos sobre como eles deveriam cuidar do paciente com determinado problema baseando-se em tudo o que a ciência já conhece a seu respeito.
Pois vale repetir: em matéria de hipertensão, tanto aqui quanto na América do Norte ou na Europa, onde você for procurar, só vai achar que cessar o tabagismo faz bem para a prevenção de modo geral, ou seja, é uma boa atitude para a saúde. E, nesse sentido, indiretamente poderia ajudar qualquer um, inclusive quem tem uma pressão lá nas alturas. Nada além disso.
"Mas ninguém nunca foi checar quantos milímetros de mercúrio abaixariam se, por acaso, alguém deixasse o cigarro de lado", alfineta a médica Jaqueline Scholz, referindo-se à medida utilizada nos aparelhos que conferem a pressão.
Diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo em Cardiologia do InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), ela ficou indignada quando constatou isso ao se preparar para o exame de livre-docência no ano passado. Daí que, ao lado de seus colegas, resolveu aproveitar um estudo com 361 participantes, feito para avaliar o resultado de fármacos usados no tratamento para parar de fumar. Focou, especificamente, nos 113 fumantes hipertensos que havia entre eles.
Nesse grupo, 72 indivíduos conseguiram largar o cigarro. E o que aconteceu com eles então foi espetacular: comparando o início do tratamento, após 12 semanas houve uma diminuição de quase 10 mmhg (os tais milímetros de mercúrio) na pressão arterial sistólica, aquela de maior valor. E a pressão diastólica, aquela que sempre tem um valor mais baixo, caiu cerca de 4 mmhg.
"Isso significa uma redução de 30% na probabilidade de eventos cardiovasculares", calcula a doutora Jaqueline. Leia: infarto, AVC... "Nosso estudo", acrescenta a cardiologista, "é o primeiro a mostrar que uma diretriz deveria recomendar a cessação do tabagismo não porque isso traria benefícios gerais, mas porque ajudaria o paciente a controlar a pressão sem precisar tomar mais remédio."
A relação entre cigarro e hipertensão
Assim como o tratamento para baixar o colesterol, o da hipertensão também tem suas metas. "Mas muitos pacientes estão longe delas", observa a doutora. "E, se a gente olha para os fumantes em particular, eles em geral estão completamente fora da tal meta, mesmo tomando dois, três, quatro remédios."
A cardiologista, porém, já viu vários hipertensos graves que puderam, aos poucos, tirar parte dos medicamentos depois que abandonaram as tragadas.
"O cigarro aumenta os níveis de catecolaminas, substâncias por trás do estresse e da ansiedade que estão invariavelmente mais elevadas nos fumantes do que em quem não fuma", conta. "Ele também aumenta o tônus adrenérgico, a sensibilidade dos receptores a neurotransmissores como a adrenalina."
Com o organismo em um constante estado de alerta, os vasos sanguíneos se contraem e, então, o sangue precisa forçar passagem, pressionando suas paredes.
O curioso é que, na literatura médica, está registrado que fumar não leva à hipertensão. "No entanto, quando você fuma um único cigarro, há um pico de pressão arterial que demora até duas horas para baixar", explica a doutora.
Daí, é fácil imaginar o que ocorre com quem fuma um cigarro atrás de outro — a pressão mal começa a cair e já sobe de novo. E, se a pessoa tem predisposição a se tornar hipertensa, a capacidade de normalizá-la nessas horas já não é das melhores.
Os hipertensos do estudo brasileiro fumavam, em média, 18 cigarros por dia. Todos usavam remédios para baixar a pressão. "Quando a pessoa para de fumar e a pressão sistólica diminui 10 mmhg, é como se entrasse um outro fármaco." A diferença pode ser o que faltava para se alcançar a bendita meta.
Como foi o estudo
Os fumantes hipertensos foram randomizados em dois grupos, isto é, sorteados.
No primeiro deles, os pesquisadores ficaram de olho em marcadores genéticos que, em tese, apontariam o que seria melhor oferecer — se um remédio chamado bupropiona ou outro medicamento, a vareniclina.
O segundo grupo, por sua vez, recebeu a vareniclina sem maiores questionamentos. A doutora Jaqueline explica: "Ela é tida como um medicamento superior porque, além de atenuar os sintomas da abstinência, impede que os receptores de nicotina sejam ativados e, com isso, a pessoa perde o prazer de fumar."
Todos os participantes foram examinados antes de começarem a se medicar e na quarta semana do estudo. "Se alguém ainda não tivesse parado de fumar após quatro semanas, a gente adicionava uma segunda droga."
Ou seja, se a pessoa estava tomando bupropiona, ela passava a usar a vareniclina também — ou vice-versa. "Não é todo mundo que vai precisar da associação de dois medicamentos e, se você espera para ver quem é quem, além de fazer uma economia, reduz o risco de efeitos adversos", diz a médica.
A vareniclina, por exemplo, causa náusea, que costuma ser bem tolerada. Já 30% dos participantes que iniciaram o tratamento com a bupropiona cogitaram atirar tudo para o alto por causa do mal-estar. "É um remédio mais em conta", nota a cardiologista. "Porém, o estudo mostra que o barato pode sair caro, uma vez que quase um terço das pessoas pensa em desistir pelo caminho. É melhor já investir naquele fármaco considerado o melhor, entrando com uma dose baixa de bupropiona depois, se necessário."
No final, o estudo do InCor mostrou que, uma vez acertado o remédio, 70% de um grupo ou de outro conseguiram que a pressão caísse bastante em um tempo bem curto — na décima-segunda semana. E frequência cardíaca de todos diminuiu, em média, cinco batimentos por minuto.
A concentração de monóxido de carbono exalado também despencou em quem deixou de fumar. Esse gás é um componente da fumaça que, uma vez tragado, vai parar na corrente sanguínea e atrapalha a oxigenação do corpo.
Fonte: Uol